31 de julho de 2007

Não há vida sem morte

Na última postagem aqui no blog mostrei a incrível história de um pequeno pássaro sem asas. Se você ainda não viu, clique aqui e veja antes continuar esta leitura. Você verá que terminei dizendo que era uma história baseada em fatos reais. Pois vamos aos fatos.

A passagem de Cristo pelo nosso mundinho cão teve desde o princípio um destino certo. Aliás, a própria criação foi precedida do sacrifício vicário do criador. Enquanto Ele plantava as árvores, já sabia do destino terrível que teria. Quando disse “haja luz”, Deus se atirou no abismo da mesma maneira que aquele passarinho sem asas. Não consigo olhar para o sacrifício daquela pequena ave sem relacioná-lo com o sacrifício do próprio Deus.

O mais assombroso é que ele pede de nós algo semelhante. Seguir os passos daquele que deu sua vida para redimir a história é entregar a vida da mesma forma.

Há, sim, uma redenção. Mas ela encontra-se no fundo do abismo e para alcançá-la será preciso lançar-se no vazio.

26 de julho de 2007

Um momento pode valer uma vida

[postagem revista e expandida]

“A vida, até onde sabemos é compulsória. Com ou sem sentido, necessária ou não é melhor vivê-la. Se formos contados entre os mais sabidinhos, quem sabe, não conseguiremos dela mais bons momentos do que maus. Alguns dos bons, valem uma vida.” Lou Mello
A história de um pequeno pássaro sem asas.
Baseada em fatos reais.




A história desse pequeno pássaro me arrepiou. Enquanto eu o via derramando uma lágrima em seu ato insano e suicida, ainda que carregado de significado, não pude deixar de pensar em sacrifício semelhante de outro alguém.

A passagem de Cristo pelo nosso mundinho cão teve desde o princípio um destino certo. Aliás, a própria criação foi precedida do sacrifício vicário do criador. Enquanto Ele plantava as árvores, já sabia do destino terrível que teria. Quando disse “haja luz”, Deus se atirou no abismo da mesma maneira que aquele passarinho sem asas. Não consigo olhar para o sacrifício daquela pequena ave sem relacioná-lo com o sacrifício do próprio Deus.

O mais assombroso é que ele pede de nós algo semelhante. Seguir os passos daquele que deu sua vida para redimir a história é entregar a vida da mesma forma.

Há, sim, uma redenção. Mas ela encontra-se no fundo do abismo e para alcançá-la será preciso lançar-se no vazio.

24 de julho de 2007

Luz

De fato: "que tipo de homem [faria isso]!". Quem submetia os mares à obediência, confrontaria da mesma forma um exército de demônios. Se o primeiro desafio havia sido o caos irrompendo na natureza, o seguinte era a destruição de civilizações, a redução de humanos a uma sangrenta bestialidade pelas mãos do Descriador, pelo Desprezador de Deus, de sua imagem e da obra de suas mãos. Pelo Diabo.

Perdoe-me. Perdoe a amplitude cósmica de minhas observações, mas lembro daqueles dias com um pavor primaz. Era como se o chifre que Daniel viu pudesse arrojar-se novamente para varrer as estrelas do céu e pisoteá-las no chão.

Ainda assim... ainda assim comecei, ao mesmo tempo, a vislumbrar uma glória em meu Senhor que era, sim, páreo para tais malignidades. Como explicar a convicção que começou a crescer em mim? Se faíscas de relâmpagos podiam romper o céu para em seguida escurecê-los imediatamente, bem, esse Jesus era luz pura, luz invariável, a luz do primeiro momento do mundo. Em Jesus havia uma vida que iluminava cada um de nós. Ele brilhava nas trevas, e as trevas não prevaleciam contra ele.

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Do romance
O Livro de Jesus
de Walter Wangerin
capítulo 21

17 de julho de 2007

A águia e o desfiladeiro

Estou em pé à beira de um desfiladeiro escarpado, uma ravina cujo curso d'água entalha um longo declive através da rocha para desaguar no mar Morto. O mar salgado. Não estou longe o bastante do mar de modo a não poder ver suas águas à minha direita. Um vento forte sopra no sentido norte-sul pela garganta que abre-se para o mar, levando falanges de ondas a erguerem-se juntas, encrespando-se em topos de espuma branca. Elas arrebentam em triunfo e em derrota.

Já é quase noite.

Passei a manhã entre a comunidade dos essênios, cujos membros vivem isolados em cavernas, galerias subterrâneas e tendas no deserto. No entanto, reúnem-se numa grande construção para estudar e escrever, e sempre comem juntos, declarando que suas refeições representam e celebram um novo mundo que está por vir. Vi as mesas nas quais eles escrevem, vi os tinteiros e as vasilhas de barro nas quais guardam seus pergaminhos. Vi suas rodas de oleiro, seus fornos e a cerâmica produzida neles. Eles trazem água do riacho da ravina, tanto para beberem quanto se lavarem, e conservam-na em tanques. Banham-se muitas vezes, e batizam visando à pureza de seus membros.

Ouvi os ensinos deles, particularmente sobre sua expectativa do fim, quando será demonstrado que eles são o verdadeiro Israel, e os falsos profetas e traficantes de poder serão denunciados e descartados.

Prossegui em seguida para este lugar, à beira de uma garganta escarpada. Gastei metade da tarde com a testa franzida, imerso em minhas próprias meditações vazias. Não penso em nada. Não sou capaz de examinar coisa alguma no coração. Meu coração está vazio, causando-me pesar, levando-me a respirar com algo semelhante ao pânico.

De repente, porém, ali — à minha direita, à distância e no ponto onde a ravina desemboca na margem do grande mar salgado, voando nesta direção, entre as paredes do desfiladeiro, ascendendo cada vez mais em relação ao fundo e enchendo a ravina com o som de seu próprio vento, o vento do bater de suas grandes asas — vem uma águia.

Estou em pé alinhado com sua longa trajetória. Observo sua magnífica ascensão e minha respiração fica mais pesada: ela está vindo exatamente em minha direção! Vejo o movimento de seu vôo, o modo como ela rema o próprio vento; suas asas estendem-se para a frente e baixam para trás, e seu pescoço projeta-se ligeiramente para frente a cada remada, há extraordinária força em seu peito e seus ombros, e seu bico encurvado é sua terrível ameaça.

Então, num instante, ela está a apenas três metros na minha frente, passando por mim exatamente no nível em que estou; e embora ela não vire a cabeça, com apenas um olho — amarelo, fixo, aguçado por uma fronte ossuda — me vê. A águia olha para mim. Ela não pára de voar. Parece, no entanto, que esse momento simplesmente não tem fim, fico sem ar, e no olho da águia estão o sol, o céu e toda a criação, e Deus em seu centro negro e imóvel, na pupila do olho da águia. Estão todos olhando diretamente para mim. Não sou mais um segredo na face da terra, um homem esgueirando-se de um lugar para o outro sem que ninguém o perceba. Sou conhecido! O céu e a terra me conhecem! Em seu olho vejo que a águia deve saber meu nome e irá dentro de um instante gritá-lo pelo bico entreaberto, e isso me apavora — pois ignoro se meu nome será gritado em julgamento ou em bênção. E que será meu nome quando ressoar nos quatro cantos da terra? Percebo então que a águia seguiu voando, ganhando cada vez mais altura à minha esquerda, em direção ao horizonte do anoitecer e para dentro do sol agonizante, onde parece queimar como fogo dourado e transformar-se em bronze.

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Do romance
O Livro de Jesus
de Walter Wangerin
Prólogo

16 de julho de 2007

Igreja

A igreja evangélica faz parte da minha história, desde que possa me lembrar. Através dela conheci pessoas extraordinárias. Aprendi muita coisa boa. Tive experiências maravilhosas. Tenho uma dívida de gratidão impagável em relação a muitos que destinaram um pouco (ou muito) de seu tempo para me ensinar o que criam ser o que Deus gostaria que eu soubesse.

Mas dela também vieram alguns males. Alguns vícios da religião que vão contra aquilo que me parece hoje ser o que Jesus pretendeu ensinar. Não quero entrar no mérito sobre de quem foi a culpa, se da mensagem, do emissor ou do receptor. O certo é que assumi alguns valores errados. E cri neles. E os defendi. Pior de tudo: eu os ensinei.
Descobri que boa parte do que eu chamava de fé era pura religiosidade. E que minha confiança estava muito mais baseada na instituição que aprendi a chamar de igreja do que realmente em Deus.

Hoje creio que a organização humana que chamamos de igreja pode ser boa como forma de organizar a verdadeira Igreja que existe independentemente dela. A partir do momento em que a instituição passa a ser confundida com a Igreja, que seus ministros são vistos como sacerdotes, que a frequência a reuniões passa a ser vista como algo útil em si mesmo (e que conta pontos nas nossas fúteis tentativas de agradar a Deus), que o templo passa a ser lugar mais "santo" que os demais, aí já era! Virou mais uma religião.

Quando os adeptos dessa religião passam a se sentir superiores aos outros, quando os membros do clube passam a fiscalizar a vida alheia, quando os líderes da instituição se sentem no direito de criar regras e afirmar que essas são a vontade de Deus, aí virou doença. Melhor pular fora.

Mas há também instituições que existem para servir à Igreja, sem pretensão de dominá-la. Nessas, os líderes são apenas servos, a liberdade é sagrada, o respeito às diferenças é inegociável, todo julgamento é condenado, a única lei é o amor e a Graça é pregada em todas as reuniões, quer como mensagem, quer como maneira de se pregar outra mensagem.

Tais instituições existem? De maneira completa e perfeita não. Mas existem alguns lutando por isso. Existem alguns lugares onde se teve coragem de jogar no lixo tudo o que é lixo. Muitos líderes estão enxergando tudo isso e tendo coragem de renunciar muito do que um dia já defenderam, por terem compreendido que aquilo nada tinha a ver com o que Jesus ensinou.

A Igreja não depende de instituição alguma.
Dons não dependem de instituição alguma.
Ser discípulo de Jesus não depende de instituição alguma.

E, se e a instituição quer existir (e sim, creio que ela possa ser útil), ela que se enxergue e se recolha a seu lugar de serva e não dominadora.

13 de julho de 2007

Eu vi Deus em uma nuvem

Por Vinicius em 9/08/06

Sinto-me sensível, o que quer que isso possa significar para um homem feito como eu, de barba desgranhada na cara. Minha inspiração para esse texto, e para todo o resto que virá a seguir, pode não ser divina, mas eu estou impulsionado a falar do céu.

Quero começar contando que eu já chorei algumas vezes na montanha. Admito e não vejo problema algum em assumir isso. Já vi muita gente chorando na montanha, seja por alegria ou por dor. Você, quem sabe, já tenha passado por essa situação também. A minha primeira vez foi numa ocasião há vários anos, quando eu estava indo sozinho para um lugar que não conhecia direito, e a noite, com uma chuva torrencial, cai em lágrimas muito tristes. Eu me perguntava:
- Vinicius, o que você está fazendo aqui nesse fim de mundo, ainda por cima sozinho? Olha essa chuva lá fora!

Mas a noite em algum momento acaba, tão certo quanto a leveza do ar. E ao amanhecer, sem a chuva e com o sol aparecendo entre as nuvens, eu já não estava mais amedrontado. Passou, a vida continuou e eu lembro com saudades daquele tempo de descobertas. Hoje, eu uso essa passagem em conversas de bar, com outros montanhistas:

- Cara, então, teve uma vez que eu fui pra esse lugar aí, e caí no maior choro a noite… bruta fiasco!
- Ah, sério?
- Sério véio. Eu comia bolacha Maria, tomava um gole de suco e chorava muito.
- Hahaha… Ei Fulano, ouve aqui o que o Vinicius está falando, vê se é possível… Vai, explica de volta essa história.

Mas as lágrimas mais significativas, as que até hoje me dão arrepio e emoção, foram as que rolaram pelo mais espetacular mar de nuvens que eu vi em toda a minha vida de montanhista. Algo grandioso, infinito. Eu estava numa grande montanha aqui do nosso estado, e até onde a vista alcançava, estava tudo tomado pelo branco, e sutil era o espaço onde acabavam as nuvens e começava o céu. Uma espessa cobertura de aparência fofa e banhada pelo entardecer, com as sombras das grandes montanhas projetadas sobre ela. Admirei aquela cena com espanto, e a surpresa, pouco a pouco, foi dando lugar a uma enorme insignificância. Senti-me pequeno, dá pra dizer que foi isso. E um estalo abriu meu cérebro, e eu chorei, pois estava vendo Deus. Sim, diante de mim estava Deus, mesmo que eu não soubesse disso no momento.

Por estalo também, me vi inspirado a fazer um vídeo sobre o assunto. Essa inspiração dizia que Deus assume muitas formas quando quer se comunicar conosco. Para Moisés, na passagem do deserto no Velho Testamento, Ele apareceu com uma sarça ardente. Para você, Deus pode se manifestar como um segredo; para outro, como a coisa mais óbvia do mundo. Para alguns, até, Ele tenta se mostrar, mas não consegue simplesmente porque não pode forçar a barra. E eu acabei descobrindo que para mim, Deus se manifesta como nuvem. Eu já tinha sido tocado sobre esse aspecto no passado, dentro da relação Criador/criatura, mas a minha visão ainda estava bloqueada. Agora não, esse pedaço que explica minha vida na Terra, principalmente como montanhista, não me é mais mistério. Foi essa revelação que norteou a construção desse vídeo, que representa a pura intenção de mostrar uma busca espiritual. Se você for assisti-lo, peço que preste atenção à seqüência inicial, pois é a cena que descrevo nesse texto. Você, certamente, não verá as nuvens com os mesmos olhos que eu vi, mas essa é a imagem primordial, a que dá razão às demais. Claro, veja o resto do filme, mas fique atento ao início.

Todas as seqüências utilizadas estão impregnadas de nuvens. Desta vez não pretendo contar muito sobre as imagens, exceto que elas são de minha autoria, que são todas paisagens paranaenses e que apenas uma delas não foi feita nas montanhas. Algumas cenas são óbvias, outras não. A música é a perfeita Tema da Montanha, do filme Extremo Sul. Como essa música foi feita para um filme de montanha, coube certinha para o meu vídeo também. Ademais, incluí uns trechos da Bíblia para compor o material. Pra fechar, deixo um pequeno alerta: esse vídeo merecia ficar em qualidade máxima, portanto, serão milhões de bytes para baixar. Sugiro até, que você primeiro espere o filme carregar inteiro, antes de assitir.

Agora eu estou olhando pela janela e o céu está totalmente limpo. A Serra do Mar está ali e suas montanhas me convidam a um passeio. E eu aqui, me sentindo tão só… Como posso continuar vivendo sem ver as nuvens do céu?




Texto do Vinicius Ribeiro, consentidamente sugado para cá.
http://amontanha.com.br

9 de julho de 2007

Nem no céu, nem no inferno

INTRODUÇÃO
(se ficar aborrecido com esse começo, vá um pouco mais pra baixo até PARA ONDE APONTAR O NARIZ - se continuar aborrecido, desça um pouco mais até OVELHAS E BODES)

As definições sociológicas da religiosidade geralmente segmentam as diferentes manifestações posicionando-as sobre dois eixos. O esboço abaixo é superficial, evidentemente, mas necessário para as observações que tentarei fazer em seguida. Os termos não possuem aqui nenhuma conotação religiosa. Não podemos, então, entender igreja como o corpo de Cristo nem seita como grupo herético. São terminologias neutras para fins de estudo e classificação sociológica.



O Eixo horizontal representa a relação com a sociedade. No gráfico acima, quanto mais a direita, mais o grupo religioso se afasta da sociedade, criando um grupo isolado chamado tecnicamente de seita ou cult, dependendo de sua relação com seu eixo perpendicular. Quanto mais a esquerda, mais o grupo se mistura, envolve e/ou dissolve na sociedade, variando, tecnicamente, entre igreja e denominação.

O Eixo vertical representa a relação com Deus. Quanto mais para baixo se encaixa o grupo, mas pluralista ele se torna. Quanto mais para cima, mas exclusivista.

> FONTE: material didático do Prof. Arthur Dück, da Faculdade Fidélis.

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PARA ONDE APONTAR O NARIZ
Partindo desse gráfico, levanto abaixo uma proposta de caminho para o qual a igreja deveria seguir de acordo com os padrões sociológicos. É importante frisar que todos os quadrantes são louváveis em alguns aspectos e detestáveis em outros. Trabalhemos sobre cada eixo distintamente.

Eixo horizontal (amizade – inimizade)
Em muitos meios a igreja se porta de forma agressiva à sociedade. O único ambiente considerado ‘santo’ é o ambiente da igreja, promovido e controlado por ela. Por esse motivo, inúmeros programas e eventos oficiais considerados ‘sacrossantos’ preenchem o calendário dos crentes durante todo o ano, e a ausência em algum deles é passível de punição. Esse tipo de igreja é, normalmente, liderada por uma pessoa carismática e controladora.

A amizade com a sociedade, no entanto, a meu ver, é o caminho que a igreja deve seguir. Vejo no Cristo e seus seguidores um grupo completamente inserido no contexto social do povo judeu. Era um grupo absolutamente distante do sistema religioso vigente e, aos olhos dos poderosos desse sistema, uma seita, sem dúvida. Mas aos olhos dos ‘de fora’, dos cidadãos comuns, era um grupo que vivia entre eles, comia, festejava, convivia de forma absolutamente amigável. Nesse aspecto, creio que um grupo de seguidores de Jesus deveria, hoje, estar em situação semelhante à daquele tempo. Percebido como seita não pelos sociólogos, mas pela igreja institucionalizada e enrijecida.

Obviamente as palavras de Jesus espantaram muitos do seu redor. Mas ele permaneceu, ainda assim, inserido entre esses, independente de sua aceitação. Assim, uma igreja que fala de um estilo de vida diferente do padrão egoísta do homem, não precisa ser inimiga do homem. A inimizade é mais fruto da pregação dogmática da igreja oficial, que tem pouca semelhança com a pregação relacional e humana de Jesus, como veremos a seguir.

Eixo vertical (único – plural)
Muitos grupos enxergam a si mesmos como o portadores de uma verdade única e maior, e vêem os demais grupos religiosos, mesmo os que são chamados irmãos, como subgrupos, defasados, errados, fora dos padrões ideais que eles mesmos vivem e anunciam.

Esse padrão de pensamento é perigoso porque é, ainda que de forma sutil e involuntária, cheio de presunção e orgulho. Creio que Jesus é, conforme ele mesmo diz, ‘o único caminho’, mas não sei mais ao certo definir onde ele está, a que grupo pertence. Aliás, só pensar que Jesus poderia pertencer a um grupo seria já uma grande heresia. Porque Jesus é selvagem, livre e indomável, como o Aslam da maravilhosa alegoria de C.S. Lewis. Em tempos antigos, diria que Jesus está no movimento evangélico. Não veria hipótese alguma de salvação em vidas que não estivessem efetivamente ligadas à uma igreja evangélica. Cria que nesse título estava a ‘legitimidade única’ da salvação.

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OVELHAS E BODES
Creio ainda na legitimidade única do Cristo. Mas perco completamente o chão quando vejo as respostas que ele dá àqueles que questionam – Como ganhar o reino dos céus? Jesus não aponta, em momento algum, para qualquer que seja a instituição religiosa. Nem tampouco para dogmas e regras definidas e salvíficas. Ele, percebo aterrorizado, aponta para relacionamentos humanos repletos de amor e misericórdia. Sim, algumas igrejas vivem em uma ambiente que incentiva, apóia e facilita esses relacionamentos. Outras não. E alguns de nossos membros batizados e dizimistas vivem, de algum modo, esses relacionamentos (ou ao menos tentam e lutam diariamente na intenção de vivê-los). Outros não. E algumas pessoas vivem, fora do nosso meio ‘evangélico’, esses relacionamentos de forma intensa e sincera.

Em Mateus 25.31-46, Jesus fala a respeito do julgamento das nações. Ele separa todas as nações em 2 grandes grupos de bodes e ovelhas. Então, de maneira assustadora, ele dá a entender que nem bodes, nem ovelhas tinham consciência de seu destino. Tanto um grupo quanto outro fica espantado com o destino que recebeu. Parece que os bodes achavam que estavam com o jogo ganho. E as ovelhas espantam-se com a vitória inesperada. E a justificativa que Jesus dá para sua decisão final, mais uma vez, não é dogmática, mas relacional.

Eu, hoje, prefiro viver em uma igreja que seja amiga da sociedade, e não coloque ninguém no céu, muito menos no inferno.

6 de julho de 2007

Boas Novas

Outro dia, folhando um livro de cânticos, encontrei essa antiga música.
Já a cantei várias vezes, há muitos anos, mas por algum motivo nunca havia prestado muita atenção nela:

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Convite à Liberdade

Ó vinde vós os povos de todas as nações,
Erguei-vos e cantai com alegria,
Fazei nos ares soar a nova melodia:
Que Jesus Cristo traz libertação.

É tempo de romper a vil escravidão,
Que em vós exercem homens ou idéias.
É tempo de dizer que só Deus pode ser,
o único Senhor da humanidade.

A verdade vos libertará.
Sereis em Cristo verdadeiramente livres.
Vinde todos! Sim, ó vinde já!
E celebrai com alegria a vossa libertação!

E vós os oprimidos, e vós os explorados,
E vós os que viveis em agonia.
E vós os cegos, coxos, vós cativos, sós,
Sabei que em breve vem um novo dia.

Um dia de justiça, um dia de verdade.
Um dia em que haverá na terra a paz,
Em que será vencida a morte pela vida
E a escravidão enfim acabará.

5 de julho de 2007

O que realmente importa

Li ontem uma citação interessante no livro "Maravilhosa Graça", do Yancey.
Era sobre um pastor amigo seu que costumava falar em seus sermões algo parecido com isso:

Estamos cercados de miseráveis e de gente sofrendo e pensamos: Que vão à merda!
E a única coisa que incomoda os cristãos nessa frase é o uso do palavrão.

Achei uma ótima representação da realidade. Escrevi isso num fórum cristão que estava debatendo uma porção de coisinhas legalistas do tipo pode-não-pode.

A postagem seguinte reclamava do palavrão.

2 de julho de 2007

O estranho

Eles estavam no restaurante quando o estranho chegou. Era um desses hotéis de beira de estrada, mas muito bem cuidado. Quadros, vasos e tapetes estavam dispostos de forma meticulosa, e tornavam o ambiente bastante agradável e aconchegante.

Tinham viajado a trabalho, e voltavam para sua cidade com urgência, rumo a um grande e imperdível show gospel, de uma banda internacional. Tinham participado exaustivamente da organização do evento, e criam que seria uma grande oportunidade de colheita. Nos últimos anos, ambos tinham se envolvido na igreja como nunca. Estavam presentes em todos os programas, a maioria das vezes na organização. Lideravam pequenos grupos, tinham seus próprios discípulos e passavam a maior parte do tempo na igreja. O show havia sido amplamente divulgado, inclusive em rádios e jornais seculares, e teria forte ênfase evangelística. Àquela hora, o sol já estava se pondo. O dia inteiro dentro de um carro dava aquela desagradável sensação de corpo enrijecido, com dores nas articulações e nas costas. Conversavam naquele instante, lembrando da cena que viram na estrada, sobre a decadência da raça humana.

– O rapaz estava certamente embriagado – dizia o motorista, enquanto se espreguiçava com as mãos nas costas, à altura da cintura.

– Ou drogado – completava o passageiro – mas certamente fora de si.

Lembraram da cena com um misto de pena e desgosto; quase desprezo.

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Era uma longa reta e o tempo estava claro, com o céu azul e o horizonte distante e branco. A visibilidade na estrada estava perfeita. De longe viram a pequena mancha atravessando a rua, mas movia-se devagar e cambaleante. Havia tempo bastante para ir e voltar de um lado a outro da pista pelo menos uma dúzia de vezes. Mas a mancha crescia no centro da pista, deslocando-se meio metro para frente, metro e meio para trás. A figura tomou vulto enquanto o carro aproximava-se dando a ela formas humanas.

– Cuidado – disse o passageiro, enquanto o motorista tirava o pé do acelerador por prevenção. Ainda estavam longe do homem, mas já podiam perceber seus trajes e a sujeira impregnada em sua roupa, pele e cabelos. Era um homem alto e forte, e certamente ainda estava longe dos 40 anos.

No auge dos seus anos produtivos trocando a saúde e o trabalho pelo vício e a conseqüente miséria – pensavam com um misto de pena e descaso.

Passaram ao lado dele bem lentamente, e ele os encarou nos olhos, acompanhando com a cabeça e depois com todo o corpo o movimento do carro, até as pernas se cruzarem e o corpo desabar no chão. Os dois se olharam, ambos pensando em sugerir uma rápida parada, mas não disseram nada.

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O estranho que entrou no restaurante chamava a atenção não pelo barulho que fez abrindo a porta violentamente, nem pela respiração ofegante, mas pelos trajes e paramentos que trazia no corpo. As tatuagens e piercings davam-lhe aspecto rude e agressivo.

– Conheço esse cara – sussurrou o motorista para seu colega, escondendo a boca com a mão espalmada – cresceu na igreja junto comigo. Era uma boa pessoa, mas há anos não o vejo mais lá.
O assunto da decadência humana ganhava agora novo fôlego. Desviaram a argumentação para o inacreditável fato de que alguém, tendo sido crente, pudesse tomar um outro caminho e largar a igreja. A preocupação com os rumos da humanidade era tanta que nem sequer perceberam o assunto que o estranho tratava com o atendente do hotel. Viram apenas que, depois de algumas frases rápidas, ambos saíram em direção ao estacionamento.

Os dois amigos levantaram-se e se dirigiram ao caixa enquanto conversavam. Tinham que pegar a estrada novamente para chegar a tempo ao show. Sabiam da importância de estarem presentes lá, no grupo de intercessores, para que o resultado depois do apelo fosse positivo.

Nesse instante a porta do hotel se abriu novamente com violência. O atendente e o estranho amparavam, apoiado nos ombros, um homem cambaleante.

– Ele foi assaltado, surrado e abandonado à própria morte na beira da estrada – comentou aflito o atendente diante do olhar assustado dos dois amigos.

A cena lhes era familiar. Os olhares da vítima e dos amigos cruzaram-se novamente. Enquanto era lentamente carregado hotel à dentro, seus olhos permaneciam atraídos pelo olhar ainda espantado dos crentes. Olhos nos olhos, as cabeças de ambos giravam sobre o corpo, acompanhando o movimento da vítima, até que suas pernas trançaram, mas não chegaram a cair.

Já dentro do carro, viram o homem tatuado deixando algum dinheiro no balcão, enquanto o atendente do hotel trazia água e algum alimento para o homem abandonado na beira da estrada. Mas estavam atrasados e tinham grandes expectativas em relação ao show. Muitas vidas haveriam de ser salvas lá.


Sobre esse assunto:
Missão: alegria e lágrimas
Lucas 10:25-37