28 de setembro de 2007

A loucura e o sucesso

O cara era louco. Vivia por aí falando uma porção de coisas interessantes, mas impraticáveis. Andava à esmo, não tinha onde dormir nem o que comer. Não sei se um dia teve emprego ou família. Quando o conheci vagava feito um doido, ajudando pessoas carentes, fosse de comida, conselho, carinho ou abraço. Não participava de nenhuma ONG nem pertencia a algum grupo religioso.

Tentei falar com ele algumas vezes. Argumentar que ele precisava de apoio se quisesse promover a justiça. Evidentemente era preciso se vestir melhor, fazer a barba e usar um bom gel naqueles cabelos desgrenhados. Depois disso, seria imprescindível redigir um projeto e angariar recursos. Mas não um projetinho qualquer. Era preciso sonhar, ter visão de mercado, olhar longe. Com os recursos na mão poderia promover cursos, palestras e congressos, alugar grandes teatros, compor músicas, montar uma banda, fazer shows e ter uma sede própria de onde pudesse comandar tudo. Estrutura física é importantíssima quando se quer promover algo verdadeiramente grandioso e com um bom investimento em um ambiente agradável, climatizado e bem projetado, ele iria longe. As pessoas lotariam o grande salão da sede de sua empresa. Viriam aos milhares. Ele poderia organizar as palestras em vários turnos, vários dias por semana. Poderia também criar uma série de outros eventos dirigidos aos mais variados públicos, para manter todos os seus seguidores ocupados e perto de si.

Insisti com ele sobre isso mais de uma vez, mas ele nunca me deu ouvidos. Acabou sozinho, pobre, esquecido. Foi morto por alguns desafetos.

Mas eu fiz meu projeto baseado em suas idéias e obtive todo sucesso que ele jamais sonhou. Cito seu nome com freqüência; ele merece os créditos. Evidentemente cuido para que ninguém se sinta obrigado a segui-lo de verdade. Basta que me sigam. Basta que participem das palestras e eventos que promovo. E os que me seguem têm a nítida sensação de estarem seguindo aquele mártir.

Temos uma parceria. Ele não a aprovaria, mas eu sei que assim funciona melhor. Eu perpetuo seu nome e ele me dá sucesso.

21 de setembro de 2007

Inri

Uns meses atrás cheguei em casa, depois de um cansativo dia de trabalho, sem a menor disposição para qualquer tipo de atividade física ou mental. Deixei o corpo cair pesado na cama e liguei a televisão para tentar encontrar, em um dos três canais que minha antena de arame, com bombril na ponta, é capaz de captar, alguma coisa que prestasse. Entre um e outro clique, localizei um programa de entrevistas que mostrava o famoso “cristo reencarnado” aqui do sul do Brasil, o Inri Cristo.

O sujeito estava na berlinda, cercado por uns 4 ou 5 inquisidores. No meio de um oceano de bobagens, um trecho do bate-boca chamou a atenção. Um dos debatentes comentou sobre um jornal do interior que mostrava algumas notícias do messias brasileiro. Para o horror de todos os presentes, o jornal denunciava a presença do pretenso filho de deus em bares da cidade, jogando sinuca, baralho e bebendo. Segundo o periódico, o rabi teria sido visto conversando com algumas prostitutas na porta de um prostíbulo famoso na região.

A câmera alternava takes fechados nos rostos dos presentes, ressaltando expressões de vergonha, escândalo e ódio. Todos sentiram-se profundamente ofendidos com tal inaceitável denúncia. Riram com sarcasmo, desdenharam, xingaram e praguejaram contra o infame.

Pudera. Se o filho de Deus me aparecesse na frente fazendo coisas desse tipo, eu pregava ele na cruz!

11 de setembro de 2007

Escuridão em Calcutá

Já faz algum tempo que a figura franzina e enrugada daquela senhora me fascina. Levanta-se à minha frente como um assombroso exemplo de que é realmente possível lançar o corpo em mar aberto sem ter onde apegar-se. De forma absolutamente inconseqüente, aquela mulher ouviu o grito de “” do Mestre e arribou-se gaiola afora para desfrutar a apavorante liberdade que a privaria de toda segurança que a sensatez exige. Exemplo terrível.

Ontem, porém, através das páginas de uma famosa revista (para usuários cadastrados), essa doce senhora deu um salto vertiginoso aos mais altos degraus do meu seleto grupo de discípulos de Cristo que merecem respeito. Para escândalo de alguns e meu deleite pessoal, Madre Tereza, lá num canto escuro de Calcutá, duvidou da presença de Deus. Envolta dela, e de todo o sofrimento humano que a cercava, permaneceu somente densa escuridão. A Providência deu lugar à solene Ausência.

“Eu tenho apenas a alegria de não ter nada –
nem a realidade da presença de Deus”.

Madre Tereza de Calcutá, em carta ao seu confessor, padre Joseph Neumer.


Obviamente, do conforto de suas poltronas de madeira nobre e belos ornamentos, na segurança gélida das catedrais úmidas, padres e bispos aconselharam a moça. Pastores e diáconos não teriam feito diferente. As palavras, no entanto, não dissiparam a escuridão. Como é fácil ter fé dentro da gaiola. Sei bem como é. Solto por aí, vendo fome, miséria, dor, sofrimento, morte, medo, violência e injustiça, não há fé que agüente.

– Onde está Deus? – grita o aflito em sua agonia.

Ao invés de respostas corretas e geladas, deveríamos oferecer o calor e aconchego de nosso peito e dizer, sinceramente:

– Não sei. Mas eu estou aqui.