Dia 7 de junho foi o Dia da Igreja Perseguida, criado para mobilizar cristãos de todo o mundo em favor dos irmãos perseguidos em regimes políticos mais 'fechados'. Teatro, pregação, música e histórias sobre cristãos sofredores foram a pauta do dia em centenas de igrejas por aí. A ênfase cai quase que inevitavelmente na descrição de situações reais em que cristãos são torturados para que neguem a fé. Nossa sensação de vitória sobre o mundo repousa sadicamente sobre o sangue derramado de mártires que se mantiveram firmes em Cristo até a morte (enquanto nós o negamos descaradamente dia-a-dia, com nossa solene omissão no desafio de segui-lo como agentes de amor, graça, justiça, misericórdia, perdão e paz).
Quando voltava para casa no fim do domingo, minha filha de 7 anos fez a pergunta que ninguém faz: - Se não pode negar Jesus papai, como Pedro negou?
É essa a mensagem que fica - não pode negar Jesus. É proibido. É apostasia. É despencar do céu até o caldeirão do inferno. Amamos repetir a frase de Tertuliano: o sangue dos mártires é a semente da igreja. Mas tentamos não espalhar a notícia de que para cada mártir que não negou Jesus, dezenas de cristãos permaneceram vivos por tê-lo negado e não deixaram de ser cristãos. Não quero faltar ao respeito com os mártires. Admiro sua coragem e fé. Só não quero é esquecer-me dos que, apanhando, negam seu mestre com o coração partido e entre lágrimas, diante do sangue de seus companheiros mortos. Não quero esquecer-me que esses são graciosamente acolhidos pelo amoroso Rabi que os abraça, enxuga suas lágrimas e tão somente diz: filhinho, se você me ama, cuide das minhas ovelhas.
No Japão do século XVI, entre milhares de mortes e centas de milhares de "apostasias", os Shoguns eliminaram de suas terras todo vestígio de cristianismo. Shuzaku Endo descreve* em seu romance "Silêncio" o momento em que, em meio a lágrimas, dores, morte e sangue, o padre português Rodrigues nega seu mestre pisando sobre a imagem de Cristo:
"É apenas uma formalidade. Para que servem as formalidades?", pergunta, nervosamente, o intérprete. "Siga adiante com o ato exterior de pisá-lo." O padre levanta o pé. Sente uma dor profunda. Aquilo não era apenas uma formalidade. Ele está prestes a pisar naquilo que considerava a coisa mais linda de sua vida, no que acreditava ser puro, que estava cheio dos ideais e sonhos dos homens. Como seu pé dói! Então, o Cristo em bronze fala ao padre: "Pise! Pise! Eu, mais do que ninguém, conheço a dor em seu pé. Pise! Foi para ser pisado pelos homens que vim ao mundo. Foi para compartilhar a dor dos homens que carreguei minha cruz". O padre colocou o pé sobre o fumie. O dia amanheceu. E lá, bem longe, o galo cantou."
O sangue dos mártires, no Japão do século XVI, não foi a semente da igreja, mas seu túmulo.
Enquanto isso o túmulo da igreja ocidental está sendo cavado com a sistemática negação de Cristo em favor de projetos
warrenianos para uma igreja de sucesso baseado na lógica de mercado.
*Do livro Alma Sobrevivente. Sou Cristão Apesar da Igreja, de Philip Yancey.
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