29 de junho de 2009

Moonwalk

Domingo, 28 de junho de 2009. Duas crianças conversam nos corredores do templo, antes de entrar na sua sala.

- Você viu que o Michael Jackson morreu?
- Vi. Mas ele não foi pro céu!

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O pequeno e inocente coração já apresenta sinais de contaminação religiosa do famoso vírus 'travenolho', cujo nome científico é 'dedusenristes farisaicus'. A lógica é simples. Ao condenar o outro, sou redimido por não ser como ele. Lembra uma história que Jesus contou.

Enquanto uns botam o cara no inferno, o Rubinho descobre nele sinais do céu.

Ah, Rubinho. Meu coração pede também. Se um dia eu chegar lá, entre as núvens e os anjos, diante do grande e festivo banquete, quero andar na lua com Michel Jackson.

25 de junho de 2009

Pobreza F. C.

Uma das várias formações que o time teve:
? | Luis | Juninho | Tato | Salomão | Zeca | ?
? | Fernando | ? | ? | Patrício


Outra formação: De pé o primeiro (esquerda) é o Luis, o terceiro é o Beto.
O primeiro agachado da esquerda é grande centro-avante Tato.


As manhãs de sábado eram mágicas. No meio do bosque, os raios do sol rompiam o nevoeiro da manhã entre as copas mais altas dos eucaliptos. Atrás da mata, uma pequena colina conduzia a um córrego que saltávamos afoitos correndo na direção da cerca. Do lado de lá, a água brotava do solo gelada e límpida formando pequenos filetes de rios que serpenteavam entre o capim rumando incertos aos trilhos de trem. O local era todo nosso. Éramos piratas, exploradores, caubóis correndo atrás de cargueiros, tarzans balançando ousadamente nos caules ainda finos das árvores mais jovens. E tinha a bola. E tinha o campo. E os primos. E os filhos do Fernando Barros.

Na beira do campo ficava meu avô. O centroavante era meu pai, o Tato. Tio Zeca no meio-campo. Patrício, Fernando, Marcos, Luis, e mais uns tantos completavam o elenco. Venciam 8 de 10 partidas. O saldo de gols a favor era astronômico. Jogavam juntos desde muito antes de eu nascer. Formavam aquilo de mais prodigioso que a raça humana pôde vivenciar nas intrincadas relações sociais que desenvolveu desde que passou a andar sobre duas patas - um grupo de amigos.

Havia, nas manhãs de sábado, algo de religioso, de litúrgico. Até mesmo nas brigas e discussões. Era o homem na sua expressão menos mascarada, menos formal, mais natural, mais transparente e, portanto, mais santa. Não na altivez de sua prepotência, que é na verdade uma forma de mascarar sua fragilidade, mas na intensidade dos seus relacionamentos. Xingamentos, abraços, sorrisos e palavrões. Tudo encerrado com um grande encontro no bar, regado a ovo cozido e Caracu.

Eram homens. Eram gigantes. Eram senhores das manhãs de sábado.

No final do jogo, corríamos em direção ao gol chutando a bola avidamente, aproveitando os últimos instantes entre o fim do jogo e a saída para a Sede. Estávamos no lugar dos mestres. No campo deles. Nas traves onde meu pai fazia tantos gols. Éramos heróis também. Também gigantes nas manhãs de sábado.

22 de junho de 2009

Fides

Fui ensinado que ter fé é acreditar do fundo do coração em uma coisa que não se pode ver. Ou melhor, em muitas coisas. Fé, me fizeram crer, é acreditar na cura da rinite alérgica que, obviamente, nunca ocorreu. E da miopia (mas dessa acabei sendo curado pelo raio laser). Também tinha que acreditar que seria inundado de calma em momentos tensos, ou que resistiria bravamente como um grande herói às infindáveis tentações. Estive inúmeras vezes na fila do milagre, na fila do óleo, na esperança de ser finalmente agraciado com vitória sobre algo que me parecesse um mal.

Mas nunca tive essa fé.

Recentemente descobri que fé era outra coisa. Que aquilo que aprendi era crença barata, era ânsia por uma mandinga bem brasileira, era respingo da cultura de magia e mirabolância do nosso país (não que seja exclusivamente nossa).

Comecei a entender que dúvida não era ausência de fé mas, antes disso, era o terreno fértil de onde a fé poderia brotar. Ou a própria semente da fé. Entendi que fé era confiança, como a confiança de meu filho em mim. Em novembro do ano passado, quando toda cidade de Blumenau parecia estar desmoronando como um castelinho de areia, o meu colo, na cabeça do guri, era o lugar mais seguro do mundo. Estava aí exemplo terrível de fé de verdade. Não havia a menor consciência de o que iria acontecer. A chuva vai parar? O rio vai baixar? O barranco atrás de casa vai ficar onde está ou vai desabar como nos vizinhos? Não importa. No colo do pai há segurança e ponto final.

Abandonei a opressão da fé pela crença, que criava tantas mentiras e falsidades, e embarquei na fé pela confiança, infinitamente mais consoladora.

Algo terrível, no entanto, me ocorreu dia desses.

Percebi que também não tenho essa fé.


Imediatamente o pai do menino exclamou:
“Creio, ajuda-me a vencer a minha incredulidade!”
Marcos 9.24

18 de junho de 2009

Ocasião



Num instante besta,
num momento único,
numa hora infeliz;

Pisei em falso,
caí de cara,
quebrei o nariz.

15 de junho de 2009

Viagem [2]


É nesse sentido que o ambiente religioso pode tornar-se inconscientemente cruel. Especialmente um ambiente exclusivista como o cristão. Porque ao ser exclusivo torna-se necessariamente auto-suficiente. Cria em torno de si uma bolha dentro da qual, é o que somos levados a crer, se encontra tudo o que nos é necessário e suficiente e fora da qual, e é aí que se entorna o caldo, encontra-se tudo o que é mal, cruel, potencialmente destrutivo.

A partir desse pensamento é que se constrói a necessidade de controle e segurança que nos leva a criar toda espécie de mitos que sirvam para nos afastar dos limites da bolha. Quando disseram que os violeiros do sertão tinham pacto com o demônio, criaram instantaneamente a artimanha necessária para manter os fiéis longe do perigo de tronarem-se boêmios.

Exemplo marcante dessa trama religiosa tecida cuidadosamente ao redor dos fiéis encontra-se no chocante filme de Shyamalan, A Vila.

O nome da bolha que nos cerca é "crença". Sou prisioneiro do que creio. Quando Jesus fala a um grupo de judeus que, caso eles viessem a conhecer a verdade, ela os libertaria, eles se ofenderam. Eram filhos de Abraão. Eram povo escolhido. E incrivelmente mais que isso, eram judeus que "haviam crido nele". Eram aquilo que hoje somos nós, os cristãos. Mas é a eles (e consequentemente a nós) que o Mestre se dirije sinceramente propondo que fossem além de "crer". A religião cristã vive da crença. Jesus, no entanto, não buscava crentes carolas e sim homens livres.


Portanto, se o Filho os libertar, vocês de fato serão livres. João 8.36

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Veja também:
A Viagem [1]

11 de junho de 2009

Negação da negação

Dia 7 de junho foi o Dia da Igreja Perseguida, criado para mobilizar cristãos de todo o mundo em favor dos irmãos perseguidos em regimes políticos mais 'fechados'. Teatro, pregação, música e histórias sobre cristãos sofredores foram a pauta do dia em centenas de igrejas por aí. A ênfase cai quase que inevitavelmente na descrição de situações reais em que cristãos são torturados para que neguem a fé. Nossa sensação de vitória sobre o mundo repousa sadicamente sobre o sangue derramado de mártires que se mantiveram firmes em Cristo até a morte (enquanto nós o negamos descaradamente dia-a-dia, com nossa solene omissão no desafio de segui-lo como agentes de amor, graça, justiça, misericórdia, perdão e paz).

Quando voltava para casa no fim do domingo, minha filha de 7 anos fez a pergunta que ninguém faz: - Se não pode negar Jesus papai, como Pedro negou?

É essa a mensagem que fica - não pode negar Jesus. É proibido. É apostasia. É despencar do céu até o caldeirão do inferno. Amamos repetir a frase de Tertuliano: o sangue dos mártires é a semente da igreja. Mas tentamos não espalhar a notícia de que para cada mártir que não negou Jesus, dezenas de cristãos permaneceram vivos por tê-lo negado e não deixaram de ser cristãos. Não quero faltar ao respeito com os mártires. Admiro sua coragem e fé. Só não quero é esquecer-me dos que, apanhando, negam seu mestre com o coração partido e entre lágrimas, diante do sangue de seus companheiros mortos. Não quero esquecer-me que esses são graciosamente acolhidos pelo amoroso Rabi que os abraça, enxuga suas lágrimas e tão somente diz: filhinho, se você me ama, cuide das minhas ovelhas.

No Japão do século XVI, entre milhares de mortes e centas de milhares de "apostasias", os Shoguns eliminaram de suas terras todo vestígio de cristianismo. Shuzaku Endo descreve* em seu romance "Silêncio" o momento em que, em meio a lágrimas, dores, morte e sangue, o padre português Rodrigues nega seu mestre pisando sobre a imagem de Cristo:


"É apenas uma formalidade. Para que servem as formalidades?", pergunta, nervosamente, o intérprete. "Siga adiante com o ato exterior de pisá-lo." O padre levanta o pé. Sente uma dor profunda. Aquilo não era apenas uma formalidade. Ele está prestes a pisar naquilo que considerava a coisa mais linda de sua vida, no que acreditava ser puro, que estava cheio dos ideais e sonhos dos homens. Como seu pé dói! Então, o Cristo em bronze fala ao padre: "Pise! Pise! Eu, mais do que ninguém, conheço a dor em seu pé. Pise! Foi para ser pisado pelos homens que vim ao mundo. Foi para compartilhar a dor dos homens que carreguei minha cruz". O padre colocou o pé sobre o fumie. O dia amanheceu. E lá, bem longe, o galo cantou."


O sangue dos mártires, no Japão do século XVI, não foi a semente da igreja, mas seu túmulo.

Enquanto isso o túmulo da igreja ocidental está sendo cavado com a sistemática negação de Cristo em favor de projetos warrenianos para uma igreja de sucesso baseado na lógica de mercado.


*Do livro Alma Sobrevivente. Sou Cristão Apesar da Igreja, de Philip Yancey.


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Veja também:
A noiva e o jardim
A loucura e o sucesso

Nossa única esperança de redenção

8 de junho de 2009

Avivamento

Em uma terra muito distante, uma grande igreja decidiu dedicar-se vigorosamente à busca de um grande avivamento. Passaram a reunir-se frequentemente em vigilias de oração. Organizaram inúmeros retiros e encontros na chácara que mantinham nos arredores da cidade. Todos os encontros, cultos e cursos eram dedicados ao tema. Em uma noite especialmente marcante de um culto muito bem elaborado, no final de um dedicado programa de 50 dias de jejum, Jesus apareceu no templo entre os clamores do povo. Todos calaram em uma mistura de terror e êxtase. E perguntaram, ansiosos, ao Senhor:

- Mestre, o que podemos fazer para alcançar verdadeiro avivamento?

- É só obedecer meus mandamentos - disse Jesus. - E vocês os conhecem muito bem. Inclusive aquele que contém todos os outros: 'amem ao próximo como a si mesmos'...

- Mas mestre, temos cumprido tudo isso desde a assembléia de fundação da igreja e ainda não conhecemos o avivamento que tanto buscamos.

- Falta-lhes uma coisa - pontuou o Rabi muito sério. - Uma única coisa. Vendam tudo o que têm; o templo, o estacionamento no terreno ao lado, a chácara, o equipamento de som, enfim, tudo o que contruiram todos esses anos. Vendam tudo e dêem o dinheiro aos pobres. Depois venham e sigam-me de mãos vazias.

Um silêncio terrível ocupou o salão enquanto todos entreolhavam-se assustados, buscando alguém que falasse algo diante da afirmação desnorteante do Mestre. Entre murmurios e cochichos, uma voz se levantou:

- Mas, Jesus, e os ministérios? E a agenda desse ano? E os retiros? E a unidade do corpo? E as reuniões e cultos e encontros e estudos? E a ordem? E a liderança? E os pastores? E a hierarquia? E a autoridade espiritual? Se vendermos tudo, se tudo deixar de existir, se não ouver mais templo e ordem e estrutura e organograma... tudo que construimos desmorona!

- Creio que vocês começaram a entender - sussurrou o mestre com um sorriso carinhoso e convidativo.

Diante disso, toda a igreja ficou abatida e afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas. E nunca mais orou pedindo por avivamento.



Jesus olhou ao redor e disse aos seus discípulos:
Como é difícil aos ricos entrar no Reino de Deus!” Marcos 10.23

Jesus saiu do templo e, enquanto caminhava, seus discípulos aproximaram-se dele para lhe mostrar as construções do templo. “Vocês estão vendo tudo isto?”, perguntou ele. “Eu lhes garanto que não ficará aqui pedra sobre pedra; serão todas derrubadas”.
Mateus 24.1-2

4 de junho de 2009

Salvos da perfeição

Deus de tão perfeito conheceu a plenitude do tédio. De tão cercado pelo idêntico a si mesmo, incapaz de dizer por que hoje não é apenas um reflexo de ontem, sem jamais ter sonhado com um outro dia, enfadado com a previsibilidade de um mundo impecável, inventou o amor. Ou seria, preferiu amar?

A invenção do amor, ou dos amigos, é o encontro com o imperfeito e aqui está a sua grandeza. Nada se compara ao êxtase da imaginação, à adrenalina do inusitado, ao ciúme diante do livre amante, à ardência do anseio pelo melhor, ao sabor fugidio do fugaz, à satisfação de um mundo transformado, ao descanso gostosamente dolorido diante do que não mais é caos. Sensações próprias da vida imperfeita, do que está para sempre para ser, dos que sempre podem desejar uma outra coisa. Dos humanos.

Logo depois de inventar o imperfeito, Deus conheceu a lágrima da frustração. A dor mais feliz que espíritos livres sentem. Viu as costas dos que mais amou. Duvidou sem desistir, o Criador chorou mais uma vez. Desta lágrima descobriu o perdão. Lágrima esquentada com afeto e graça.

Malcompreendido pelos amigos, inimigos tolos, pecado, recobriram-no de ídolo. De tão cansados do incerto, angustiados por tanta liberdade, os amigos inventaram ídolos, pretensos profetas e arrogantes senhores do futuro, sacerdotes e magos de um deus acuado, cristos milagreiros da mesmice ressurreta. Inventaram a religião, vestiram-se de absoluto.

Deus, que do absoluto fugiu em desespero, que inventara o imperfeito, imperfeito se fez. Inventou-se entre os incertos. Aperfeiçoou a imperfeição. Humanizou-se entre humanos. De tão impreciso, despido das forças do absoluto, igualmente inapreensível, excepcionalmente frágil, tão vivo e tão morto, descortinou o absoluto como quem desnuda o que é mau.

Imperfeito, salvou-nos da perfeição.


Texto de Elienai Cabral na abertura
do mais novo lançamento da Ultimato:
Salvos da Perfeição

1 de junho de 2009

Como eu vinha dizendo...

"Para a liberdade foi que Cristo nos libertou". Gálatas 5.1

O homem espiritual nunca impõe a outrem exigências do tipo: Creia nisto ou naquilo; ao contrário, ele o orientará no sentido de que enquadre sua vida nos padrões de Jesus. Não somos chamados a acreditar na bíblia, mas crer naquele que a bíblia revela. Somos chamados para pregar liberdade de consciência, não liberalidade de opinião. Se temos a liberdade de Cristo, levaremos outros a conhecer essa mesma liberdade - a liberdade de experimentar o domínio de Jesus Cristo.

Avalie sempre sua vida pelos padrões de Jesus. Curve a serviz somente ao jugo dele, e a nenhum outro, seja lá qual for; e tenha cuidado de jamais colocar sobre outros um jugo que o próprio Jesus não tenha colocado. É preciso muito tempo para Deus nos tirar a mania de pensar que, a menos que todos pensem como nós, estão todos errados. Essa nunca é a posição de Deus. Existe apenas uma liberdade atuando em nossa consciência, capacitando-nos a fazer o que é certo: a liberdade de Jesus.

Não se impaciente; lembre-se de como Deus o tratou - com paciência e com gentileza; nunca, porém, dilua a verdade de Deus. Deixe-a agir e nunca peça desculpas por ela. Jesus disse: Ide fazei discipulos, não: fazei adeptos das vossas próprias opiniões.


Escrito por Oswald Chambers em algum dia entre 1911 e 1917.
E tem gente que acha que é uma grande e perigosa novidade pós-moderna.
Dica da Paula Peres.