30 de julho de 2009

Desapego [1]

Liberdade e cruz

São muitas as narrativas bíblicas que descrevem o desapego de Deus com tudo aquilo que é resultado da construção humana. Enquanto nós sofremos quando a camiseta velha mas cheia de história torna-se pano de chão, Deus faz questão de destruir as vestes antes que se tornem um poço de lembranças que nos prendem ao passado. Os encontros com o Deus hebreu pressupunham rasgar as vestes e cobrir-se de cinzas.

É verdade que parte do apego que temos às coisas é fruto de amor, carinho e respeito para com as pessoas que participaram da história que aquela camiseta velha presenciou. Mas é também verdade inegável que parte fundamental do apego agarra-se ansiosamente à nossa necessidade de segurança e controle.

É por isso que Jesus foi o louco que foi para os religiosos da época. Não existe apego maior do que o religioso, e o rabi judeu fez questão de desprezar muito do que era tão precioso na mentalidade carola dos judeus mais fervorosos. Nas palavras e atitudes do mestre, o importante era a liberdade, mas o caminho para ela era a cruz. A liberdade era a antítese do controle e a cruz o oposto da segurança. Enquanto os judeus zelosos lutavam e conspiravam para manter o controle e segurança, Jesus oferecia descaradamente liberdade e cruz.

Desapego:
1. Liberdade e cruz
2. Rastros
3. Nuvem
4. Teimosia
5. Esterco

24 de julho de 2009

Como eu vinha dizendo [2]

Instituição e movimento

Há diferenças essenciais entre uma instituição e um movimento, diz H.R. Niebuhr (seguindo Bergson): aquela é conservadora, este é progressista; aquela é mais ou menos passiva, sucumbindo a influências externas, este é ativo, influenciando ao invés de ser influenciado; aquela olha para o passado, este olha para o futuro. Além disso, poderíamos acrescentar que aquela é ansiosa, ao passo que este está disposto a assumir riscos; aquela resguarda fronteiras, este as cruza.

Percebemos algo dessa diferença entre uma instituição e um movimento se compararmos a comunidade cristã de Jerusalém com a de Antioquia na década de 40 do século 1 d.C. O espírito pioneiro da igreja de Antioquia ocasionou uma inspeção por parte de Jerusalém. Estava claro que a preocupação do partido de Jerusalém não era a missão, e sim a consolidação; não era a graça, e sim a lei; não cruzar fronteiras, e sim fixá-las; não a vida, e sim a doutrina; não o movimento, mas a instituição (…)

Num estágio incipiente havia indicações de que dois tipos separados de ministério estavam se desenvolvendo: o ministério estabelecido de bispos (ou anciãos) e diáconos, e o ministério móvel de apóstolos, profetas e evangelistas. O primeiro tendia a impelir o cristianismo primitivo a tornar-se uma instituição, e o segundo retinha a dinâmica de um movimento. Nos primeiros anos, em Antioquia ainda havia uma tensão criativa entre estes dois tipos de ministério. Paulo e Barnabé eram, ao mesmo tempo, líderes da igreja local e missionários itinerantes, e aparentemente retomavam seus deveres congregacionais com naturalidade quando voltavam a Antioquia. Alhures, todavia (e certamente num estágio posterior também em Antioquia), as igrejas ficavam cada vez mais institucionalizadas e menos preocupadas com o mundo fora de seus muros. Em breve tiveram de esboçar regras para garantir o decoro de suas reuniões cultuais (cf. 1 Co 11:2-33; 1 Tm 2.1-15) para estabelecer critérios para o clérigo ideal e sua esposa (1 Tm 2:1-13) e para lidar com casos de falta de hospitalidade para com emissários da igreja e de sede de poder (3 João). Com o passar do tempo assuntos intra-eclesiais e a luta pela sobrevivência como grupo religioso separado consumiam cada vez mais a energia dos cristãos.

Surrupiado do Allysson.

23 de julho de 2009

Ele é meu irmão II

Já comentei aqui uma vez, se não me engano por ocasião do aniversário do Tuco, sobre o grande companheiro que ele sempre foi para mim. Me lembro dele nenezinho. Com o passar do tempo, os três anos de diferença de idade (naquela época a meu favor - hoje contra mim) foram significando cada vez menos. Logo éramos praticamente gêmeos.

Fizemos muita coisa juntos. Foram muitas aventuras e não poucas vezes colocávamos a vida um nas mãos do outro em absoluta confiança. Frequentamos sempre as mesmas igrejas e lá trabalhávamos no que podíamos, e fomos sempre guris de bom comportamento exterior, crentinhos exemplares. Nada porém que motivasse alguma boa conversa a respeito. Nosso companheirismo esteve sempre ligado às brincadeiras e aventuras.

Uns anos atrás uma coisa aconteceu. Ele em Blumenau e eu em Curitiba, vivemos uma aventura diferente. Sem que um soubesse exatamente o que o outro estava pensando, passamos, num mesmo período, por uma revolução em termos de fé. O meu companheiro de praia, de pedaladas, de escaladas e outras aventuras agora era também um companheiro de fé, como nunca antes havíamos sido.

De lá pra cá vi, na vida de meu irmão, algo bonito de se ver. Vi a fé crescer, passando por cima das crenças religiosas. Vi o amor pelas pessoas levar o rapaz arredio e meio anti-social a dar passos cada vez maiores em direção a elas. Vi crescer nele a disposição de seguir a Jesus de fato, levando a sério as palavras de nosso mestre. E vi a humildade de reconhecer a distância que ainda o separa desse objetivo. Vi os valores e pensamentos tornarem-se mais profundos. Quase não posto aqui no blog porque ele faz isso muito melhor do que eu, então prefiro ler.

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Conheço meu irmão o suficiente para saber que ele não se sente bem com esse papo. O guri não é muito dado a elogios. Só que a idéia aqui não é elogiar mas apenas dizer, nesse espaço onde ele tem muitas vezes rasgado o coração:

Vai firme, mano velho!
O caminho é esse e ambos sabemos que não há mais como voltar atrás.
Se for pra alguém achar ruim, que seja pelo seu excesso de amor. Pelo excesso de simplicidade na fé. Pelo excesso de desapego institucional. Pelo excesso de compaixão, pela vontade (pelo jeito herética) de encontrar na eternidade o mais "inaceitável" de nós. Pela teimosia em levar a sério o exemplo do carpinteiro indomável, pela mania de dar mais importância aos homens do que às solenidades, pela insistência descabida de ver Deus nos lugares e pessoas mais inesperados, pela ingenuidade de achar que o amor deve ser manifestado em atitudes, pelo desperdício de tempo e energia com gente que não entrará na contabilidade igrejenta.

Que seja por tudo isso que tem te tornado, um passo depois do outro, mais parecido com o exemplo de Jesus.

17 de julho de 2009

Ele é meu irmão

O bem-estar dele é problema meu



Ele não é um peso pra mim, ele é meu irmão
The Hollies - 1969

A estrada é comprida
Com muitas curvas dificeis
Que nos leva a
Quem sabe onde, quem sabe quando
Mas eu sou forte
Forte o bastante para carregá-lo
Ele não é um peso para mim, ele é meu irmão
E assim continuamos
O bem-estar dele é problema meu
Ele não é nenhuma carga para mim
Nós chegaremos lá
Pois eu sei
Ele não seria um estorvo para mim, oh não
Ele não é um peso para mim, ele é meu irmão
Agora, se estou realmente sobrecarregado
Então estou sobrecarregado de tristeza
(De saber) que o coração de todo mundo
Não está cheio de gratidão
Ou de amor, um pelo outro
É uma estrada muito comprida
Da qual não há retorno
E enquanto estamos indo para lá
Por que não partilhar?
E a carga (dele)
Não vai me pesar de jeito algum
Ele não é um peso para mim, ele é meu irmão
Ele é meu irmão
Ele não é um peso
Ele é meu irmão...




He Ain't Heavy, He's My Brother
The Hollies - 1969

The road is long
With many a winding turn
That leads us to who knows where
Who knows when
But I'm strong
Strong enough to carry him
He ain't heavy, he's my brother
So on we go
His welfare is of my concern
No burden is he to bear
We'll get there
For I know
He would not encumber me
He ain't heavy, he's my brother
If I'm laden at all
I'm laden with sadness
That everyone's heart
Isn't filled with the gladness
Of love for one another
It's a long, long road
From which there is no return
While we're on the way to there
Why not share
And the load
Doesn't weigh me down at all
He ain't heavy, he's my brother
He's my brother
He ain't heavy,
he's my brother...

13 de julho de 2009

Rocks e boleros

Confesso que não entendo bulhufas de rock. Nunca me apeteceu esse negócio. Sou muito mais boleros, serestas e modinhas. O problema é que tenho filhos e o maior tá começando a se engraçar pra esse coisa aí que agrada multidões. Por causa do guri fui buscar no meu baú alguma coisa roqueira que eu já tenha curtido. E tive que curvar-me humildemente à magia do flautista roqueiro Ian Anderson do Jethro Tull.

Feliz "dia do rock".

6 de julho de 2009

Separação

"[...] a ex­pressão radical para todo o teísmo cristão era esta: que Deus era um criador, como um artista é um criador. Um poeta está tão separado de seu poema que ele mesmo refere-se a ele como uma coisinha que foi "jogada fora". Até mesmo no ato de produzi-lo ele o jogou fora. Esse princípio segundo o qual toda criação, toda procriação é um desprender-se é no mínimo coerente através do cosmos como o princípio evolucionário de que todo crescimento é uma ramificação. Uma mulher perde o filho exatamente quan­do o está dando à luz. Toda criação é separação. O nasci­mento é uma despedida tão solene quanto a morte.

O princípio filosófico básico do cristianismo era que esse divórcio no ato divino de criar (como o que separa o poeta do poema ou a mãe do filho recém-nascido) era a verdadeira descrição do ato com o qual a energia absoluta criou o mundo. Segundo a maioria dos filósofos, Deus ao criar o mundo o escravizou. Segundo o cristianismo, ao criá-lo Deus o libertou. Deus havia escrito não exatamente um poema, mas antes uma peça; uma peça que planejara à perfeição, mas que tfnha necessariamente legado a atores e diretores humanos, que a partir daquele tempo a transfor­maram numa grande confusão."

G. K. Chesterton em "Ortodoxia".

2 de julho de 2009

Com licença

"Estou sozinho, sem saída, sem dinheiro e sem comida e feliz da vida!"

Quem é que acredita numa coisa dessas? Aprendemos desde muito cedo que o mundo é de quem produz, de quem tem, possui, junta, acumula, mostra, ostenta.

"Não sei o que foi que eu fiz pra merecer estar radiante de felicidade. Mais fácil ver o que não fiz. Fiz muito pouco aqui pra minha idade. Não me dediquei a nada, tudo eu fiz pela metade, porque então tanta felicidade?"

O mundo é de quem merece, de quem trabalha pesado, de quem honra seu nome, sobrenome, fé e sei lá mais o que. Os louros são entregues ao vencedor e tão somente a ele. "Faça por merecer" sussurra o capitão John Miller na orelha do soldado Ryan. É só por onde sabemos caminhar - pela via do merecimento. Dá licença.

"Enfim, eu já tentei de tudo, enfim eu quis ser conseqüente, mas desisti, vou ser feliz pra sempre. Peço a todos com licença, vamos liberar o pedaço. Felicidade assim desse tamanho só com muito espaço!"

Não deixe de clicar no play.
Definitivamente, Luiz Tatit merece ser ouvido.




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Felicidade

Luiz Tatit

Não sei porque eu tô tão feliz
Não há motivo algum pra ter tanta felicidade
Não sei o que que foi que eu fiz
Se eu fui perdendo o senso de realidade
Um sentimento indefinido
Foi me tomando ao cair da tarde
Infelizmente era felicidade
Claro que é muito gostoso
Claro que eu não acredito
Felicidade assim sem mais nem menos é muito esquisito

Não sei porque eu tô tão feliz
Preciso refletir um pouco e sair do barato
Não posso continuar assim feliz
Como se fosse um sentimento inato
Sem ter o menor motivo
Sem uma razão de fato
Ser feliz assim é meio chato
E as coisas nem vão muito bem
Perdi o dinheiro que eu tinha guardado
E pra completar depois disso
Eu fui despedido e estou desempregado
Amor que sempre foi meu forte
Não tenho tido muita sorte
Estou sozinho, sem saída, sem dinheiro e sem comida
E feliz da vida!!!

Não sei porque eu tô tão feliz
Vai ver que é pra esconder no fundo uma infelicidade
Pensei que fosse por aí, fiz todas terapias que tem na cidade
A conclusão veio depressa sem nenhuma novidade
O meu problema era felicidade
Não fiquei desesperado, não, fui até bem razoável
Felicidade quando é no começo ainda é controlável

Não sei o que foi que eu fiz
Pra merecer estar radiante de felicidade
Mais fácil ver o que não fiz
Fiz muito pouco aqui pra minha idade
Não me dediquei a nada
Tudo eu fiz pela metade, porque então tanta felicidade
E dizem que eu só penso em mim, que sou muito centrado
Que eu sou egoísta
Tem gente que põe meus defeitos em ordem alfabética
E faz uma lista
Por isso não se justifica tanto privilégio de felicidade
Independente dos deslizes dentre todos os felizes
Sou o mais feliz

Não sei porque eu tô tão feliz
E já nem sei se é necessário ter um bom motivo
A busca de uma razão me deu dor de cabeça, acabou comigo
Enfim, eu já tentei de tudo, enfim eu quis ser conseqüente
Mas desisti, vou ser feliz pra sempre
Peço a todos com licença, vamos liberar o pedaço
Felicidade assim desse tamanho
Só com muito espaço!