28 de setembro de 2009
Bingos, estacionamentos e igrejas
Está certo ele. O que mais agride um cidadão razoavelmente de bem, se é que existe algum, é a instituição que tem poder de corrupção, sujeira e contágio doentio. Nessa história estacionamentos podem ser considerados solo santo. Entre igrejas e bingos, no entando, a briga está feia. Mas no quesito contágio doentio não se pode negar que as igrejas estão em situação insuperável. O crescimento evangélico não nos permite desmentir. O nível de contágio é muito maior do que o da gripe A.
Mas enquanto igrejas são inevitáveis a curto prazo, bingos, que foram merecidamente banidos, ameaçam ressurgir com toda sua impressionante capacidade de potencializar o crime organizado com lavagem fácil de dinheiro. O lobby da indústria do bingo já está dando uma surra no bom senso. A aprovação da volta dos bingos pela Comissão de Justiça e Constituição da Câmara por 40 votos contra 7 deixa claro.
Araújo continua: 'É impressionante como coisas destrutivas (porém lucrativas) lutam para impor tudo que é indecente com argumentos mais indecentes ainda, que não convém nem repetir de tão imorais. E outra: ninguém precisa das ultrajantes esmolas que eles propõem distribuir aqui e ali' (se aqui ele se refere a bingos ou igrejas você decide).
Se cinemas um dia tornaram-se igrejas, que igrejas agora se tornem salas de cinema, leitura, espetáculos e arte. Que abram suas portas às comunidades e ofereçam cultura, educação e entretenimento à população. Que deixem de variar entre o alienante (e nauseante) circo de horrores religioso e a irrelevência de prédios fantasmas, fechados a semana inteira, abrindo unicamente para as liturgias dominicais, e possam contribuir para a qulaidade de vida da população.
Bingos, não, conclui Inácio Araújo.
Igrejas, do jeito que estão, também não, concluo eu.
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Mais sobre a volta dos bingos aqui.
25 de setembro de 2009
Lixo eletrônico X Lixo Político
Políticos costumam fazer com bons projetos de lei o mesmo que o cristianismo fez com a mensagem de Jesus. Modificá-los sutilmente até que se tornem irrelevantes.
Acontece agora, enquanto tramita na Câmara dos Deputados o PL 203/91 sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Lixo.
"Sem qualquer consulta ou justificativa plausível, um "grupo de trabalho" alterou a redação do artigo 33, que regulamenta a logística reversa e a reciclagem, e retirou a menção aos produtos eletro-eletrônicos. Com essa alteração, o projeto de lei que deveria criar a Política Nacional de Resíduos Sólidos passa a ignorar a existência do lixo eletrônico, problema crescente e de alto custo sócio-ambiental.
Por esta razão o 'Coletivo Lixo Eletrônico' toma a iniciativa de pressionar os deputados e senadores para a re-inclusão dos produtos eletro-eletrônicos no PL 203/91 através da criação e divulgação do "Manifesto Lixo Eletrônico: pela inclusão dos produtos eletro-eletrônicos na Política Nacional de Resíduos Sólidos".
Se concordar com os termos deste Manifesto, assine a petição online e ajude-nos a divulgá-lo."
21 de setembro de 2009
17 de setembro de 2009
Descontrole
Não há como evitar. Quando lançamos um pensamento ao vento, ele se vai como semente de dente de leão, abolutamente descontrolado, tomando caminhos incertos e inesperados.
Lembro de ter visto uma semente dessas a contraluz quando criança, num daqueles dias em que intuímos que a qualquer momento algo grandioso pode acontecer. Estava sentado no gramado de uma pracinha qualquer, entretido com meus dedos indicador e médio correndo pela grama como que jogando futebol, quando vi o brilho da minúscula pluma branca muito mais intenso do que qualquer outro branco do lugar. Me levantei efeitiçado, com os olhos fixos nela, e a acompanhei em seu vôo sinuoso. Lembro do exato instante em que meus pés descolaram do chão e passei a flutuar vagando vadio atrás daquele fiapo de beleza e luz. Ainda flutuava quando uma gargalhada chamou minha atenção e, ao virar o rosto, encontrei num canto da praça uma família de andarilhos, entre os trapos sujos e garrafas plásticas de pinga que esquentaram sua noite. Lembro que pousei suavemente o pé no chão quando vi o menino maltrapilho sorrindo enquanto soprava a pequena planta e acompanhava o vôo das sementes que o vento trazia na minha direção.
Sempre que essa lembrança se ergue do nevoeiro da minha memória, vem seguida de outra. Vejo novamente diante de mim o homem sisudo de passos rápidos e olhar rabugento. O vejo caminhando determinado com destino certo e hora marcada. Lembro do pequeno gramado em torno do chafariz coberto de florzinhas amarelas e seus frutos brancos vistosos, com as longas hastes verdes coroadas com uma centena de pára-quedas brancos. Me vejo caminhando em sentido contrário e o homem pisoteando e chutando as flores e sementes que subiam em desgovernada revoada de microplumas. Quando passou por mim, trouxe de arrasto, no vácuo de sua pressa, as centenas de plumas desgovernadas. Uma delas foi tragada quando inspirei descuidado e espirrei como um louco.
Lançada ao vento, a mesma semente pode maravilhar uma criança que a vê à contraluz ou desencadear uma crise de espirros em um rapaz com rinite.
Veja também:
Fugaz
14 de setembro de 2009
Finados
Interessante é tentar imaginar aquele esfarrapado rabi judeu no meio daquele opulento festival de vaidades, entre bispos e apóstolos, conduzindo uma multidão pelas ruas de São Paulo. Ainda me dói ver essa palhaçada sendo promovida no nome dele.
Mas não há nada que possa ser feito a não ser aproveitar o sarcasmo da Providência que fez a Marcha ser oficialmente agendada justo no dia de Finados. No dia 2 de novembro, vamos deixar os mortos sepultar os mortos e sair por aí procurando Jesus nos bancos das praças, no quintal do vizinho, nos abrigos dos atingidos pela enchente ou no leito frio de um quarto de hospital.
Quem sabe um dia, andando entre becos, a gente o encontre e ele nos receba como amigos.
10 de setembro de 2009
Imperdíveis
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a capa original por essa que eu mesmo fiz.
[FOTO]
O autor gostou.
7 de setembro de 2009
Clube social irrelevante
canto escuro e solitário de uma prisão em Birmingham,
em 16 de abril de 1963.
"Indivíduos podem ver a luz da moral e renunciar voluntariamente às suas posturas injustas; mas, como Reinhold Niebuhr lembrou-nos, grupos tendem a ser mais imorais do que indivíduos."
"A liberdade nunca é voluntariamente concedida pelo opressor; ela tem de ser exigida pelo oprimido."
"Cada vez mais, sinto que as pessoas de má vontade usam o tempo de modo muito mais eficaz do que as pessoas de boa vontade. Nós nos arrependeremos, no tocante a essa geração, não apenas das palavras e ações odiáveis das pessoas más, como também do silêncio espantoso das pessoas boas."
"Em meio a uma vigorosa luta para livrar nosso país da injustiça racial e econômica, ouvi muitos sacerdotes dizerem: “Esses são temas sociais, com os quais o evangelho não tem nenhuma preocupação real”. E vi muitas igrejas empenharem-se numa religião completamente de outro mundo que faz uma estranha e não-bíblica distinção entre o corpo e a alma, entre o sagrado e o secular."
"Em decepção profunda, chorei pela frouxidão da igreja."
"Quando os primeiros cristãos entravam em uma cidade, as pessoas no poder ficavam transtornadas e imediatamente buscavam condenar os cristãos por serem “perturbadores da paz” e “forasteiros agitadores”. [...] As coisas são diferentes agora. Com tanta frequência a igreja contemporânea é uma voz fraca, ineficaz com um som incerto. Com tanta frequência é uma arquidefensora do status quo. Longe de se sentir transtornada pela presença da igreja, a estrutura do poder da comunidade normal é confortada pela sanção silenciosa – e com frequência sonora – da igreja das coisas tais como são.
Mas o julgamento de Deus pesa sobre a igreja como nunca pesou. Se a igreja atual não recuperar o espírito de sacrifício da igreja primitiva, perderá sua autenticidade, será privada da lealdade de milhões e será descartada como um clube social irrelevante com nenhum significado para o século XX. Todos os dias, encontro pessoas jovens cuja decepção com a igreja tornou-se uma repugnância absoluta."
"Talvez deva dirigir minha fé à igreja interior, espiritual, a igreja dentro da igreja, como a verdadeira ekklesia e a esperança do mundo."
3 de setembro de 2009
Pense
É preferível correr o risco de se expor à ameaças de um herege peçonhento como eu do que ser encabrestado por um professor obtuso e preconceituoso. É muito mais digno ter opinião própria do que repetir preconceitos alheios.
A religião tenta preservar-se criando "Guantánamos" onde joga aqueles que ela considera terroristas. Lá mofam os "Galileus" que ousaram afirmar suas constatações científicas; lá apodrecem os "Huss" que não se conformaram com as viseiras farisaicas que lhes foram dadas; lá morrem os "Martin Luther Kings" que não se curvaram ao "status quo".
A religião de certezas não tolera que a espiritualidade conviva com incertezas. O fariseu precisa criar sistemas lógicos para que suas opiniões perdurem inabaláveis. Ele apedreja todos os que se expuserem a outras verdades. E quem tiver a petulância de pedir explicações será exilado.
A postura da elite eclesiástica é: rotule-se como apóstata todo o que olhar por cima das nossas cercas para ver se há alguma vida fora do nosso estreito corredor dogmático.