28 de janeiro de 2010

Quando tudo se for

Vi um velho sentado
Num sofá surrado
De um apê apertado
Olhando a garoa
Com a cabeça no passado
Coitado

Passado cheio de festa
Cheiro de rio na floresta
A moça dançando seresta
O gosto de um beijo
Lembrança doce e modesta
Atesta

Que o tempo não deixa nada
Que a vida é uma emboscada
Nos pega na encruzilhada
Deixa o peito doendo
Faz garoa virar chuvarada
Pesada

Mas mesmo no meio da dor
Da ausência de qualquer cor
Na chuva brota uma flor
De doce esperança
Pois ficará, quando tudo se for
O amor

25 de janeiro de 2010

Até livro rolou

2009 foi um ano e tanto. Talvez o mais marcante para mim foi a história superficial e pobremente descrita no texto 'um próximo passo'. Mas não foi só isso. Foi também o ano dos improváveis lançamentos de dois livros que escrevi. Obviamente não teve a mesma pompa dos dois livros do Paulo Brabo (6 Passos e Bacia das Almas), infinitamente melhores e mais relevantes que os meus. Na verdade, meus livros nem foram publicados, no sentido editorial do termo. Foi tão somente um auto-lançamento eletrônico.

O interessante do e-book é que você é alimentado com a falsa mas agradável sensação de que um monte de gente leu seus livros. Segundo as estatísticas dos respectivos sites onde estão depositados os volumes, o livrinho infantil 'O Violino Mágico' (ilustrado pelo amigo Guilherme Karsten) foi visualizado 778 vezes, enquanto a série de contos montanheses 'Incríveis Histórias Medíocres de Montanha' alcançou a marca de 823 downloads. E, acreditem, isso é realmente muita cosia para mim. É evidente que entre baixar gratuitamente e ler existe um abismo enorme, extraordinariamente maior que entre comprar e ler. Mas tudo bem. Somos movidos por ilusões.

O terceiro livro está pronto, mas caí na infeliz tentação de enviá-lo para algumas editoras na esperança de entrar para o seleto mundo dos 'realmente publicados' - ou dos ecologicamente incorretos 'publicados em papel', para o bem do ego e o mal das florestas. Completei em dezembro 10 meses aguardando alguma resposta, qualquer que fosse. Cheguei ao ponto de entrar em contato com as editoras implorando algum sinal, qualquer um - a rejeição é muito menos amarga que o desprezo. O melhor que consegui foi um: 'se não houve resposta é porque o original deve ter sido lido e descartado'. Ter sido lido e descartado não é problema. O problema é o 'deve'.

Agora, porém, começa um novo ano. Vou tentar diagramar o livro bonitinho e lançar o terceiro e-book da minha vida. Não sei se isso conta pra trilogia 'livro, árvore e filho' - se contar já posso morrer em paz. Caso você acompanhe esse blogzinho mequetrefe, será o primeiro a saber caso eu realmente leve até o fim essa idéia besta e o livro apareça na rede mundial.

Por hora, relembro a todos os links dos dois livrinhos de 2009, ainda em clima de retrospectiva.

O Violino Mágico
Incríveis Histórias Medíocres de Montanha

18 de janeiro de 2010

Os mais batutas - 2009

Como já é uma tradição nA Trilha no início de um novo ano, temos à disposição dos improváveis leitores uma seleção arbitrária e duvidosa daquilo que de melhor se escreveu por aqui no ano que se passou.

Se sentir falta de alguma coisa importante, se é que há algo de importante por aqui, deixe o link nos comentários.

Segunda onda
Cabra da peste
Das erste wunder
Um próximo passo
Série 'desapego'
Moonwalk
Avivamento
De uns tempos pra cá
Foi-se um profeta
Esperança de quem?
Uma jarra de suco
Ansiedade
Bancos e becos
O estrago que a gente fez
Sepultamento
Menino
O tempo
Haeve Iru


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Veja também:
Os mais batutas - 2007

Os mais batutas - 2008

15 de janeiro de 2010

Ele ensinou...

Trecho de “Cantiga do Estradar”
Elomar Figueira Melo


...
Vou cantando minhas trova
Que ajuntei no caminhar
Lá no céu vejo a lua nova,
Companhia no estradar

Ele ensinou que nóis vivesse
A vida aqui só por passar
Que nóis então evitasse
O mal desejo e o coração
Nóis profiasse pra ser branco
Inda mais puro
Que o capucho de algodão
Que não juntasse, mas dividisse
Nem negasse a quem pedisse
Nosso amor, o nosso bem
Nossos terrein, nosso perdão

Só assim nóis vê a face augusta
Do que habita os altos céus
O Piedoso, o Manso, o Justo,
O Fiel e Compassivo
Senhor de mortos e vivos,
Nosso Pai e nosso Deus



Mestre Elomar, meu irmão,
que com linda poesia homenageia

a vida dura e a fé simples da gente do sertão.




14 de janeiro de 2010

Anjos e demônios

O imbecil desorientado do Pat Robertson e sua teologia do Deus vingativo e cruel que sai matando multidões por aí como um desses americanos loucos que invadem escolas armados de metralhadoras é absolutamente revoltante. E o coro de crentes que segue a voz cruel desse lobo disfarçado de cordeiro transtornado é absolutamente lastimável.

Coro semelhante foi ouvido dos púlpitos de muitas igrejas em Santa Catarina depois da tragédia de novembro de 2008. Foi culpa do chope da oktoberfest. Na lógica desses crentes que não entenderam nada Deus, aquele que nos adesivos dizem que ama você, matou mais de uma centena de blumenauenses só para o povo aprender a nunca mais ficar bêbado nas calçadas da cidade no mês de outubro. No Haiti, como a coisa era mais grave, envolvendo um pacto direto com o capiroto, foi preciso matar 100 mil. Mas agora nosso amigo Pat (não, não posso consigo chamar esse evangélico de irmão) está mais tranquilo porque tem esperança de que algo de bom possa acontecer.



"Pat Robertson: E, você sabe, Kristi, algo que aconteceu há muito tempo no Haiti, e as pessoas podem não querer falar sobre isso. Eles estavam sob o calcanhar da frança. Você sabe, Napoleon III e tudo. E eles se reuniram e fizeram um pacto com o diabo. Eles disseram: "Nós serviremos você se você nos libertar da França." Verdade. E assim, o diabo disse: "OK, negócio fechado".

E eles chutaram a França para fora. Você sabe, os haitianos se revoltaram e tornaram-se livres. Mas desde então, eles têm sido amaldiçoados por uma coisa depois da outra. Desesperadamente pobre. Essa ilha de "Hispaniola", é uma ilha. É cortada ao meio. De um lado é o Haiti, do outro a República Dominicana. República Dominicana é próspera, saudável, cheia de resorts, etc. Haiti está em situação de extrema pobreza. Mesma ilha. Eles precisam ter e precisamos orar por eles uma grande mudança para Deus. E apesar desta tragédia, estou otimista de que algo bom possa acontecer. Mas agora, estamos ajudando o povo que sofre, e o sofrimento é inimaginável."


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Enquanto isso, nossa querida irmã Zilda Arns (sim, chamo, comovido, essa senhora católica de irmã), horas antes de morrer, proferia no Haiti o discurso abaixo:

"Na verdade, todos estamos aqui, neste encontro, porque sentimos dentro de nós um forte chamado para difundir no mundo a boa notícia de Jesus. A boa notícia, transformada em ações concretas, é a luz e esperança na conquista da paz nas famílias e nações. A construção da paz começa no coração das pessoas e tem seu fundamento no amor [...]. A paz é uma consquista coletiva. Tem lugar quando capacitamos as pessoas, quando promovemos os valores culturais e éticos, as atitudes e práticas de busca do bem comum, que aprendemos de nosso mestre Jesus: "Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância" (Jo 10.10).

[...] O povo seguiu Jesus porque tinha palavras de esperança. Assim nós somos chamados a anunciar experiências positivas e caminhos que levem as comunidades, famílias e o país a serem mais justos e fraternos. Como discípulos e missionários, convidados a evangelizar, sabemos que a força propulsora da transformação social está na prática do maior de todos os mandamentos da lei de Deus: o amor, expresso na solidariedade fraterna, capaz de mover montanhas."


Não sei se um dia vou encontrar Pat Robertson pessoalmente. Dona Zilda, no entanto, creio que verei com seu sorrisinho simpático, não sei se antes ou depois de eu dançar com Michael, e quero dar-lhe um longo abraço.

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O discurso completo de Zilda Arns (PDF - espanhol)

Como ajudar no Haiti

Em todos os cantos

11 de janeiro de 2010

Pontos de vista

Chama a atenção como ateus belicosos e religiosos radicais lêem a Bíblia de modo idêntico, sem história, humanidade e poesia.

Também é chamativo como ateus reverentes e cristãos não-tão-religiosos encontram-se na mesma leitura humanizadora da Bíblia.

Elienai Cabral Jr. no Twitter

6 de janeiro de 2010

Estalo

De tudo que já vivi na pele, ao vivo, em carne e osso, nada foi tão inesperadamente assombroso e fascinante. Aconteceu em uma fração de segundo, no quintal de casa, e talvez nunca tenha chegado tão perto de uma fatalidade em toda minha vida, apesar de evidências contrárias.

Foi ontem mesmo, num fim de tarde como qualquer outro no janeiro pacato e encalorado de Blumenau. O céu estava confuso, sem saber se ria ou chorava. Quando a chuva começou a cair, veio intensa como sempre vem numa típica tarde de verão blumenauense. O calorão agonizante do dia implorava por um banho de chuva. No horizonte, o sol brilhava zombando das nuvens negras e tingindo a cidade de um ocre impossível, um amarelo fosco, como a lembrança do narrador de um conto de fadas ou as páginas amareladas de um livro velho.

As crianças já estavam prontas, correndo para o jardim, e eu logo atrás. Abriram a porta da cozinha, deram os primeiros dois ou três passos eufóricos na garagem, eu na porta, e fomos parados num estalo pelo ribombar ensurdecedor de uma explosão azul cinco metros à frente, no mesmo confuso instante em que um grito partiu da cozinha, seguido de gemidos assustados. Levou alguns segundos até percebermos que um raio havia caido em nosso jardim, a poucos metros de meus filhos, e ainda atingido minha esposa na cozinha com assustadora, doída mas inofensiva descarga elétrica.

Passado o susto, a zombaria do sol banhando a chuva enfeitiçou-nos de novo e fomos pra água.




Veja também:
O raio que o parta

4 de janeiro de 2010

Fé e crítica

"A fé implica na crítica à religião cristã, às missões civilizadoras, aos códigos morais cristãos impostos de fora; crítica a uma verdade cristã que exclua reivindicações sobre si de qualquer outra área da cultura humana. A minha fé é o ponto de ruptura, não com os meus companheiros humanos, mas com as religiões."

Jacques Ellul
surrupiado de Robson Silos