30 de agosto de 2010

Idolatria da saúde

A moderna “ideologia da saúde perfeita” é uma ideologia que deixa as pessoas doentes. Saúde humana não significa um constante estado de “bem-estar geral”, como diz a Organização Mundial da Saúde, mas é a capacidade de ser um si-mesmo humano em estados sadios bem como doentios.

Viver sem dor é uma vida sem amor.

Viver sem dor é uma vida sem amor. Uma vez que não existe vida humana sem a morte, também não existe viver sem morrer. Saúde psíquica e fé precisam mostrar seu valor no viver e no morrer. Deus queira guardar-nos da perigosíssima idolatria da “saúde perfeita”!

26 de agosto de 2010

Voou

Faz tempo que um passarinho me assobiou uns versos. Eu só pude anotar as palavras. A música se perdeu e nunca a conheci, até ontem.

Os versos nasceram de um dos textos que escrevi aqui no blog que mais me parece ser realmente meu. Não por ser bom ou ruim, mas por senti-lo como um eco do espaço que há dentro de mim.

O poeminha é mais simplezinho e menos 'meu' que o texto, mas agora que os versos colidiram com uma música, ganharam nova vida e me encheram da alegria de um passarinho velho que vê o filhote voar.

Está aí o 'Passarinho', musicado pelo Sérgio Pereira, interpretado pelo extraordinário Baixo e Voz em gravação feita às pressas e num tom não compatível com a voz da Marivone, apenas pra mostrar pro 'autor da letra', num ato rasgado de graciosa generosidade da dupla.

PS: Serjão me pediu pra avisar que tem uma citação de "Quebra Pedra", do Tom Jobim, na música.



Passarinho
Letra: Tuco Egg
Música: Sérgio Pereira

Ele se apega no texto
Vai e prega heresia
Ele se apega na letra
Esquece a melodia
Ele se apega na regra
Não pensa na poesia

A letra mata
A letra é morta
A letra seca
A gente entorta

O tempo passa
O tempo voa
O vento é livre
Sai da garoa

A pipa solta no vento
É dança de alegria
O barco a vela sambando
Na imensidão da baía
O passarinho voando
É carta de alforria

O homem passa
A letra é morta
O vento é livre
A gente entorta

A letra mata
O tempo voa
A letra seca
Sai da garoa

Ele se apega no texto
A pipa solta no vento
Ele se apega na letra
O barco a vela sambando
Ele se apega na regra
O passarinho voando

Se ele se solta
É vento livre
Não tem cabresto
E a letra é boa

Se ele se lança
Fora do ninho
Batendo as asas
É passarinho

Se alguém se interessar a ponto de querer as cifras, é só clicar aqui.

23 de agosto de 2010

Claustros comunitários

"Todos os que criam estavam unidos 
e tinham tudo em comum. Atos 2:44"

Lá por volta do ano 30, um grupo de malucos começou a revolucionar o mundo engolido pelo império romano e algumas adjacências. Eram gente de todo tipo, reunindo-se em torno do nome de um judeu desconhecido, mais um entre os milhares de crucificados da época, porém com a peculiaridade de ser anunciado como ressurreto, uma espécie de fênix real, um pássaro selvagem que se ergue da morte e ganha os céus.

Essa gente esquisita incomodava o império das formas mais insanas e inespesperadas, chegando a ser assunto nos mais altos tribunais de Roma, e levando alguns dos augustos césares à persegui-los impiedosamente.

O ponto comum e marcante desse grupo que se espalhava e multiplicava como vírus num corpo moribundo era o fato de estarem unidos em torno de um homem que passou 3 anos anunciando a chegada de um novo reino, um reino de paz, justiça e amor. Um reino de igualdade, graça, perdão e misericórdia. Um reino de párias, esquecidos, abandonados, excluídos. Um reino onde o menor é o maior. Um reino absurdo!

A idéia estranha dessa gente estranha, porém, não resistiu ao tempo e foi solapada pelo poder entregue em suas mãos pelo império. O que temos hoje, como desoladora ruína daquele passado, são fragmentos de comunidades enclausuradas em si. Ainda que se pregue, em cada uma delas, a unidade de um corpo só, uma comunidade única espalhada pelo planeta, a "santa igreja universal" do credo apostólico, o que se vive é uma fobia de relações intercomunitárias.

Repartir pão e vinho com alguém de comunidade alheia é visto como um potencial motim. Amizades se desmontam diante da inviabilidade de comunhão entre pessoas de grupos com nomes, CNPJs e endereços distintos. Olhares desconfiados se erguem sobre os ombros na direção dos que se misturam. Líderes agarram-se nas suas listas de membros como esfomeados em um prato de comida, criando, no coração de todos, uma cultura de gueto não só em relação aos 'não-cristãos', mas em relação aos 'não meu grupo'.

Encontros entre diferentes comunidades só são tolerados quando agendados em um calendário oficial. Fora disso, cada um que fique em seu claustro comunitário. É mais seguro assim. Até porque a outra opção seria impraticável: abrir mão do rol de membros e deixar o povo livre, sem cabresto, reunindo-se por amor, por sentimentos fraternos, por laços de amizade e companheirismo e todo esse tipo de coisa que, na prática, não existe. Pelo menos não nesses ambientes de comunidades blindadas. Permitir algo assim, seria abrir mão de tudo e ver o templo ruir. E isso poucos estão dispostos a fazer.