31 de janeiro de 2011

Inquisição de Stellinha

A inquisição Presbiteriana da minha tia famosa, "suspensa da comunhão por cantar numa festa profana."



Extraído da longa entrevista concedida ao jornalista Aramis Millarch, disponível na íntegra aqui.

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Muito mais sobre Stellinha Egg aqui.

27 de janeiro de 2011

No rastro do profeta

Assim que li o relato do Brabo sobre seu segundo encontro com o Profeta de Rio dos Cedros, peguei meu velho fusca branco e fui atrás dos seus rastros. Pomerode é quase o quintal da minha casa, e a Torten Paradis é velha conhecida. Construída sobre o solo santo da casa da frau Emmel, a confeitaria é parada obrigatória de turistas, apesar de ter desfigurado a colina verde e o poço e a nogueira que enfeitavam o velho jardim da oma. A Schornstein estava fora dos meus planos e segui direto para Timbó pela Vidal Ferreira e dali segui até Rio dos Cedros. Cruzei arrozais e jardins, perguntei pelos jerivás e pelo Corsa com placa de Campina Grande, dirijido por um sujeito grande de óculos e cavanhaque.

Do Profeta mesmo, pouco sabem os moradores da região. Também não encontrei ninguém que o conhecesse pelo nome de João do Pó. Seguir a pista de um visitante recém passado era mais fácil.

As estradas de chão do alto de Rio dos Cedros não sentem a pressão de muitos pneus, o que tornou minha peregrinação em busca do profeta pelos rastros do Brabo mais fácil. Os 20 minutos de quem sabia o trajeto se transformaram em mais de 2 horas de vai-e-vem. Cada parada para perguntas era confeitada com um copo de água, um café quente, uma cuca de banana fresquinha, uma conversa sobre o tempo, alguma observação sobre as chuvas incríveis dos fins de tarde e a lembrança de alguma enchurrada na região. Já passava das 6 da tarde quando encontrei a porteira que precedia a curva sombreada por jerivás.

A casinha de madeira era muito parecida com a imagem que tinha feito lendo a descrição do Paulo, a não ser pela cor, que me pareceu estranha para o lugar.

Circundei devagar a casa, que permanecia com portas e janelas abertas, até a varanda dos fundos. Sentado no degrau da varanda, um homem, que só poderia ser João do Pó, descascava aipins com batidas firmes de facão e depositava os pedaços brancos da raiz limpa num balde de água. Puxei um toco de madeira para perto do balde, sentei de frente para o profeta e comecei a quebrar os aipins limpos em pedaços menores. Ele me olhou com carinho, acenou levemente a cabeça e continuou seu trabalho.

- A fé sem obras é morta - arrisquei. E ele permaneceu trabalhando em silêncio.

- O desafio dos heróis é destruir um objeto poderoso, não encontrá-lo - tentei de novo.

- Falei sobre isso recentemente com um amigo - disse o profeta enquanto batia com força o facão na casca marron da raiz.

- Eu sei. Foi o que me trouxe até aqui.

Ele parou seu trabalho, soltou o facão e me olhou firme.
- E então? O que posso fazer por você?

A pergunta me deixou sem fala. Percebi imediatamente que o questionamento do profeta era na verdade uma afirmação. Quando falei sobre fé, obras e o desafio dos heróis, deixei claro que já tinha a resposta. O que alguém, qualquer alguém, pode fazer por mim?

Desviei constrangido o olhar para o chão, lavei a mão no balde de água e caminhei de novo para o carro. Antes de passar para a frente da casa, ainda espiei discreto o homem que descascava aipim. Ele permanecia parado com os antebraços apoiados nos joelhos, as mão sujas caidas à frente e o olhar fixo em mim.

Entrei no carro, dei a partida e, enfim, respondi baixinho.
- Nada, meu caro profeta. Nada.

É evidentemente essencial ler também o
diálogo original entre João do Pó e Paulo Brabo,
na impagável Bacia das Almas.

24 de janeiro de 2011

Antes que seja Tarde

CÁNTICO Nº 38 DO HINÁRIO DA TRILHA

Há de deixar sementes
No mais bendito fruto
Na terra e no ventre
Antes que seja tarde



Antes Que Seja Tarde
Ivan Lins/Vitor Martins

Com força e com vontade
A felicidade há de se espalhar
Com toda intensidade

Há de molhar o seco
De enxugar os olhos
De iluminar os becos
Antes que seja tarde

Há de assaltar os bares
E retomar as ruas
E visitar os lares
Antes que seja tarde

Há de rasgar as trevas
E abençoar o dia
E de guardar as pedras
Antes que seja tarde

Há de deixar sementes
No mais bendito fruto
Na terra e no ventre
Antes que seja tarde

Há de fazer alarde
E libertar os sonhos
Da nossa mocidade
Antes que seja tarde

Há de mudar os homens
Antes que a chama apague
Antes que a fé se acabe
Antes que seja tarde.


Conheça as outras músicas do         
Hinário da Trilha.

20 de janeiro de 2011

DEZ

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De um projeto do SESC saiu o livrinho. Dez autores, entre contos e poemas. Deve ser possível encontrar nas bibliotecas do SESC pelo Brasil. À venda em lugar nenhum.

18 de janeiro de 2011

Deus, o diabo e a tragédia

Condensado de texto desconcertantemente
preciso de Claudio Oliver.

Dizem as escrituras sagradas dos cristãos que o diabo vem para roubar, matar e destruir.

Diante das chuvas e da desgraça que se abateu sobre meu estado natal, se para alguns é difícil acreditar em Deus, para mim se torna fácil perceber o diabo.

Na loucura da concentração urbana, vejo o diabo seduzindo pela suposta facilidade de dar um jeito de “viver melhor”, deixar o campo e a lida da roça para se amontoar em encostas na espera de que a sorte e a fortuna - estas que nunca chegam - abram uma porta e deixem entrar um daqueles seduzidos.

Vejo o diabo roubar. No roubo que se faz de espaços tomados da natureza, grilados, invadidos e usurpados. No roubo da propina recebida pelo fiscal, no roubo do político que vende ilusões e compra almas, no roubo dos secretários de obra (…). No roubo dos elementos da criação, fixados em matéria plástica que se acumula, entope e cria barreiras para a vida. (…) No roubo do tempo de comunidade feito pela TV por meio das antenas parabólicas paranóicas que permanecem de pé mesmo depois das tragédias. Nestes e em outros roubos, tenho de crer no capeta.

Vejo o diabo matar. No assassinato da memória, que força a esquecer a vida no campo, a organização da família em torno do ambiente, a esquecer os rítmos da natureza, as estações e os tempos. (…) Ao ver a tolice forjada na mente de tantas vítimas que por meio da ignorância acabam se tornando os acusados por suas mazelas.

Vejo o diabo destruir, ao induzir a ficar no caminho das acomodações naturais da topografia. Ao adiantar esse processo pelo desmate em troca de lucro, ao ajudar a vista grossa a não ver o grosseiro absurdo de permitir a irmãos e irmãs nossos viverem onde nem as plantas se fixam. Ao estimular a dependência de um mercado que promete em troca de dinheiro, tudo aquilo que teríamos em troca de trabalho. E vejo o diabo destruir a esperança, quando depois disso tudo, sai de fininho e pergunta: Onde está Deus?

Vejo Deus no peito da mãe que perdeu seu filhinho na enxurrada, vejo Ele soterrado ao lado do pai que hidrata o filho com a saliva para este não morrer, vejo Ele tirando entulho, vejo Ele na indignação acordada, vejo-o em cima de uma pedra tentando sinalizar para as pessoas e vejo-o na ira dos olhos de quem se percebe indefeso. Vejo Ele ao lado da vida, indignado, mutilado, escolhendo o lado do fraco e levando a culpa pelo que nós, seguindo o diabo, sabemos que no fim é nossa, de todos.

(…) Nem sei se é isso tudo, nem sei se é só isso, mas precisava escrever para que as lágrimas parassem de rolar.


O texto completo está “na rua com Deus”.

Veja também:
Em todos os cantos

17 de janeiro de 2011

Vilarejo

CÁNTICO Nº 37 DO HINÁRIO DA TRILHA


Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar



Vilarejo

Marisa Monte, Pedro Baby, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes

Há um vilarejo ali
Onde areja um vento bom
Na varanda, quem descansa
Vê o horizonte deitar no chão

Pra acalmar o coração
Lá o mundo tem razão
Terra de heróis, lares de mãe
Paraiso se mudou para lá

Por cima das casas, cal
Frutas em qualquer quintal
Peitos fartos, filhos fortes
Sonho semeando o mundo real

Toda gente cabe lá
Palestina, Shangri-lá
Vem andar e voa
Vem andar e voa
Vem andar e voa

Lá o tempo espera
Lá é primavera
Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar

Em todas as mesas, pão
Flores enfeitando
Os caminhos, os vestidos, os destinos
E essa canção

Tem um verdadeiro amor
Para quando você for




Conheça as outras músicas do         
Hinário da Trilha.

13 de janeiro de 2011

Choveu

A música nasceu na sanfona arretada do César do Acordeon, na varanda da minha casa, olhando pro pé de "Chuva de Ouro" florido.

A letra veio depois, incentivado pelo mestre César, durante o vai-e-vêm com os músicos aqui pelo Vale do Itajaí. O casamento da letra com a música aconteceu discreto, na cozinha de casa, embebido em café cremoso. Depois disso não vi mais letra e música juntos.

Até que, enfim, semanas atrás ganhei de presente do César seu novo CD, prontinho, bonitinho, novamente em parceria com o Roberto Diamanso. E a última música do disco é a "Chuva de Ouro", finalmente cantada, na voz de Ismael Santos.

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Última música do CD ‘Abianto e Diamanso – Parcerias’
Chuva de Ouro (Abianto e Tuco Egg)





Veja também:
Chuva de Ouro
Voou

10 de janeiro de 2011

Tente outra vez

CÁNTICO Nº 33 DO HINÁRIO DA TRILHA

Se é de batalhas
Que se vive a vida
Tente outra vez!



Tente Outra Vez

Raul Seixas, Marcelo Motta e Paulo Coelho

Veja!
Não diga que a canção
Está perdida
Tenha em fé em Deus
Tenha fé na vida
Tente outra vez!...

Beba!
Pois a água viva
Ainda tá na fonte
Você tem dois pés
Para cruzar a ponte
Nada acabou!



Tente!
Levante sua mão sedenta
E recomece a andar
Não pense
Que a cabeça agüenta
Se você parar

Não! Não! Não!...

Há uma voz que canta
Uma voz que dança
Uma voz que gira

Bailando no ar

Queira!
Basta ser sincero
E desejar profundo
Você será capaz
De sacudir o mundo
Vai!
Tente outra vez!


Tente!
E não diga
Que a vitória está perdida
Se é de batalhas
Que se vive a vida

Tente outra vez!...



Conheça as outras músicas do         
Hinário da Trilha.

5 de janeiro de 2011

Mais qui prata e ôro

CÁNTICO Nº 32 DO HINÁRIO DA TRILHA


6 de janeiro é Dia de Reis.



Noite de Santo Reis
Elomar Figueira Melo

I - Entrada
Meu patrão minha sinhora
Cum licença de meceis
Nóis cheguemo aqui agora
Viemo nunciá o Santo Reis

II - Louvação
São José Virge Maria
Vai um jumentin também
Pirigrinamo os três
Nas istrada de Belém

O sinhô com sua Dona
Tem nessa casa um tisôro
Os filhos qui istão durmino
Vale mais qui prata e ôro

Oi lá vai os Três Rei Mago
Cum a estrêla de guia
Visitano na capela
O Minimo qui nascia

III - Aleluia
Na palha o boi parou de remoer
O carneiro na eira mugiu
O burro levantou quando Jesus nasceu
E os pastores na guarda deram Glória a Deus
Aleluia... aleluia... aleluia
O cego viu o côxo caminhou
O mudo de nascença falou
Quando Jesus andou aqui
Jesus o Bom Pastor da casa de David
Aleluia... aleluia... aleluia




Conheça as outras músicas do         
Hinário da Trilha.

4 de janeiro de 2011

Profetas II

Conheci a Marcia numa quinta-feira. Estava sentada em um degrau, tomando uma cerveja. Cheguei, pedi licensa, sentei, puxei papo. Logo chegou outra mulher, a Lu. Veio vindo, falando alto enquanto atravessava a rua, me cumprimentando como se já me conhecesse e sentando-se ao nosso lado.

A Lu contou que chegou em Curitiba acompanhando o marido, que ficou internado no Cajuru para uma cirurgia no intestino enquanto ela foi para uma pensão. Quando ficou sem dinheiro, uns dias depois, foi acolhida pela Marcia, que dividiu com ela graciosamente tudo o que tinha: o papelão onde dormia, o espaço debaixo da marquise do Bradesco e os carros dos quais cuidava por uns trocados. "Um anjo de Deus", disse a Lu...

Semana passada fui visitá-la novamente. Soube que a cirurgia do marido da Lu havia corrido bem e que ambos tinham voltado para São Paulo. Achei que com o movimento gigantesco na rodoviária por conta dos feriados, a renda diária cuidando dos carros deveria estar maior naqueles dias. Mas não estava. A Marcia pára de qualquer jeito quando faz R$ 20,00 e deixa os outros carros para outros cuidadores.

"Não é bom ter muita ganância", me ensinou ela.

3 de janeiro de 2011

Os mais batutas - 2010

Mais uma seleção arbitrária e duvidosa (e, provavelmente, desnecessária) dos melhores rabiscos desta sinuosa Trilha. Novo ano velhos textos. A idéia é aproveitar esse início do ano, quando um monte de gente é obrigada a cumprir horário de trabalho, mesmo sem ter o que fazer, e oferecer um passatempo meia-boca para esses infelizes, enquanto desfruto minhas férias.

Anjos e Demônios
O monstro
Mendigos
Allah
Capucho de algodão
Gafanhotos
Que fique bem claro
Calor da batalha
Cristal, quem dera
Viés
Claustros comunitários
Passarinho 2.0
Contexto
Teologia de Balú

Desde 2007 eu tento selecionar os 10 mais batutas de cada ano. Mas nunca fechei em 10. Esse ano piorou. Além dos 14 acima, fiquei tentado a deixar registrado aqui as pequenas 3 séries de 3.
 
Rufo: Parte 1 | Parte 2 | Parte 3 
Um pescador: Parte 1 | Parte 2 | Parte 3
Artrite: Parte 1 | Parte 2 | Parte 3

Feliz 2011. Com pouco trabalho, dinheiro só o suficiente, e bastante tempo livre para exercitar o ócio, especialmente o coletivo, que partilha café, chimarrão, tererê e conversa.