28 de fevereiro de 2011

A canção que chegou

CÁNTICO Nº 41 DO HINÁRIO DA TRILHA

Na manhã que nascia encontrei
O que na noite tardia desejei




A Canção Que Chegou
Cartola e Nuno Veloso

Na manhã que nascia encontrei
O que na noite tardia desejei
E vou feliz a cantar por aí
Assim...

Toda tristeza que havia
Agora expulsei
Com a canção que chegou
E vou cantando alegre
A felicidade que Jesus mandou

Lembro dos tempos de outrora
Que quase me roubam
A esperança e a fé
E hoje me volto contente
Cantando pra Deus
Que tanto me ajudou

Não vou culpar os amigos
Fingidos que outrora
Eu tive na vida
Nem vou dizer
Que a razão do fracasso
Se prende a batalhas perdidas

E confiante despeço-me
Todo feliz a cantar
Agradecido ao bom Senhor
Por me ajudar

24 de fevereiro de 2011

Luz elimina trevas

Preciso trabalhar no sentido de uma sociedade que não admita situações de indignidade, não admita fome, miséria, ignorância, carência de qualquer tipo. Uma sociedade que priorize as situações de fragilidade, priorize os serviços públicos, educação ao nível do melhor ensino, com profissionais vocacionados, assim como no atendimento médico - preventivo e não curativo. Um Estado livre dos vampiros, morcegos, percevejos, pulgas, carrapatos e outros sanguessugas que o enfraquecem, tornando-o incapaz de defender sua população, incapaz de cumprir suas funções constitucionais e garantir os direitos fundamentais de todos. Uma sociedade em que o valor da vida não seja mais determinado pela propriedade privada. Em que a vida valha mais que a propriedade.

Seria ingenuidade esperar viver numa sociedade assim. Não trabalho para ver o resultado. Trabalho na direção do resultado que eu desejo, não para mim, mas para todo mundo. Conheci muita, mas muita gente trabalhando diretamente no aprimoramento do ser humano e da sociedade. Há pessoas em todos os meios, dos puteiros às intituições religiosas, das escolas primárias aos institutos de pesquisas avançadas, das favelas aos bairros ricos, dos “chópim-center” (por incrível que pareça) aos partidos políticos, das cadeias aos condomínios, dos casebres às mansões. São exceções à regra em todos os lugares e tempos, pedras preciosas no cascalho humano, que distribuem brilho em seu meio, na coletividade à sua volta, seja na profissão que for ou em qualquer atividade. A diferença do ser humano pro garimpo é que, no caso do ser humano, a preciosidade é contagiosa. Consciência chama consciência. Luz elimina trevas. Os acendedores estão por aí, anônimos e atuantes, em toda parte.

Isso me dá a convicção, como se não bastassem as evidências da história do planeta, de que o processo está em curso, um processo evolutivo contínuo e inabalável, com ritmo próprio, individual e coletivo. Nessa visão, moldei minha vida e meu trabalho pelo mundo. É uma necessidade minha, pessoal e intransferível.




Surrupiado de Eduardo Marinho, artista de rua.
Quer ouvir mais o cara?
Veja trechos da pelestra dele na UFPR:
Parte 1 | Parte 2

22 de fevereiro de 2011

A casa caiu

Ela já tinha 20 anos quando eu nasci. Arquitetura modernista, com vários níveis, rampas e um imenso vão livre na sala de jantar. E vaga para um carro só, que ninguém imaginava um dia haver tanto carro no mundo, muito menos uma mesma família ter mais que um.

Atrás do casarão um quintal, atrás do quintal a casinha da Ica e da Aci, depois da casinha o barracão e depois do barracão a casinha que foi de todos, onde nasceram meus irmãos e eu, e alguns primos e onde morou meu pai, minha tia, meu tio, minha irmã quando casou, eu quando casei; e o Haro, e o Tiola e sei lá mais quem.

Ali eu cresci. Ali passei meus sábados. Ali dormi nas noites de quinta-feira e comi pastel e macarrão e frango assado e nhoque. Ali eu fui bombeiro e dono de posto de gasolina, abastecendo bicicletas e o tratorzinho com a mangueira do jardim. Ali eu convivi intensamente com meus avós e minhas tias avós solteironas. Joguei xadrês, xadrês chinês (que chamávamos de algo parecido com xincainxek - e eu não faço idéia como se escreve) , três reis, Sete Belo, apostando balas, e ganhei e perdi. Ali devo ter passado uns 30 natais - e como eram ótimos os natais - e um número enrome de aniversários. Joguei bastquete, vôlei, tênis, e fui campeão olímpico de todas as modalidades, e inventei jogos idiotas como o famigerado "isoporobol". E brinquei de esconde-esconde, de alerta, de boca-de-leão.

Ali nasceram meus filhos e alguns sobrinhos. Ali meus avós e minhas tias morreram. Ali meus filhos encontravam os primos e eu encontrava meus pais e irmãos, e tudo acontecia de novo como há 50 anos.

Mas não mais. Não por muito tempo. Agora a casa se vai, como se foi o seu Arthur, que a construiu. Desmorona o último ícone, rompe o dique, derramam-se as lembranças e inundam minha alma, e escorrem pelos olhos, e são boas e lindas e doces e azuis.

Caiu a casa. Se foi. Um novo ciclo começa. Onde é que vou passar o próximo Natal?




Veja também:
Catedral

21 de fevereiro de 2011

Encontros e Despedidas

CÁNTICO Nº 40 DO HINÁRIO DA TRILHA

Coisa que gosto é poder partir
Sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar
Quando quero



Não consigo ouvir essa música sem deixar de pensar no meu ideal de encontro fraterno entre irmãos de fé, entre gente que se dispõe a seguir Jesus, entre gente que quer crescer na fé e na graça, sem montar todo um esquema que torne tudo um hábito ou uma obrigação.

Portas abertas para o encontro espontâneo entre quem vem e vai, fica e sai, volta ou não. Assim é a vida.

Encontros e Despedidas
Milton Nascimento e Fernando Brant (Maria Rita)

Mande notícias do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço, venha me apertar
Tô chegando
Coisa que gosto é poder partir
Sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar
Quando quero

Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim, chegar e partir

São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro
É também de despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida

17 de fevereiro de 2011

Se tivéssemos sido vulneráveis

Entrevista Chris Hedges


"Se tivéssemos tido a coragem de sermos vulneráveis, estaríamos muito mais seguros e fora de perigo do que estamos."





Veja também:
Cristal, quem dera

14 de fevereiro de 2011

Samba Meu

CÁNTICO Nº 39 DO HINÁRIO DA TRILHA

E celebra tudo o que é bonito
Meu samba não despreza o esquisito





Quando a mulher jogou-se ao chão, enquanto chorava e lhe lavava os pés com lágrimas, ele inclinou-se para ela e, docemente, fazendo jorrar dos olhos e da voz amor e compaixão enebriantes, cantou as duas primeiras estrofes dessa canção.

O meu samba vai curar teu abandono
O meu samba vai te acordar do sono
Meu samba não quer ver você tão triste
Meu samba vai curar a dor que existe
Meu samba vai fazer ela dançar
É o samba certo pra você cantar

O meu samba é de vida e não de morte
Meu samba vem pra cá e traz a sorte
E celebra tudo o que é bonito
Meu samba não despreza o esquisito
Meu Samba vai tocar no infinito
Meu Samba é de bossa e não de grito

Dias depois, quando estava prestes a partir, reuniu em um dos morros da cidade os bambas de verdade que o seguiram aos trancos e barrancos nos últimos anos e cantou para eles a estrofe final.

Meu Samba, defendi com alegria
Deixe que a noite vadia
Vai saber lhe coroar
Deixo entregue aos bambas de verdade
Que estão nos morros da cidade
Peço a benção pra passar
Deixo entregue aos bambas de verdade

Que estão nos morros da cidade
Peço a benção pra passar

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Samba Meu
Rodrigo Bittencourt (Maria Rita)


O meu samba vai curar teu abandonoO meu samba vai te acordar do sono
Meu samba não quer ver você tão triste
Meu samba vai curar a dor que existe
Meu samba vai fazer ela dançar
É o samba certo pra você cantar

O meu samba é de vida e não de morte
Meu samba vem pra cá e traz a sorte
E celebra tudo o que é bonito
Meu samba não despreza o esquisito
Meu Samba vai tocar no infinito
Meu Samba é de bossa e não de grito

Meu Samba, defendi com alegria
Deixe que a noite vadia
Vai saber lhe coroar
Deixo entregue aos bambas de verdade
Que estão nos morros da cidade
Peço a benção pra passar
Deixo entregue aos bambas de verdade
Que estão nos morros da cidade
Peço a benção pra passar


Postado originalmente no blog saraufacamolada

10 de fevereiro de 2011

A validação do óbvio


"Capaz de trazer felicidade e de proteger o
grupo, os efeitos e motivos da gentileza são
cada vez mais validados pela ciência"
Artigo do IG que recebi por email

A carência que temos de validação superior para quaisquer que sejam nossas atitudes é tão evidente como lastimável. É viceralmente preciso que alguém outro, maior, mais importante, superior, legitime cada um de nossos atos. Tanto melhor quanto maior for o outro.

Em outros tempos, cabia a função de validação à Deus, especialmente através das suas 'instituições representativas', as igrejas. Isso, evidentemente, em se tratando do cristianismo. Mas o princípio é o mesmo para todas as demais religiões. O ato de um homem precisa ser validado pelo ser superior que o domina e que é, para ele, o que Rudolf Otto chamou de 'numinoso' - o mysterium tremendum et fascinans.

Obviamente um ser-humano esclarecido já não dá mais bola para essa bobagem toda. Afinal de contas, é coisa pra gente de cabeça pequena e não para letrados esclarecidos com curso superior, MBA e um sem-número de certificados de cursos e palestras de todo tipo. Um indivíduo avançado assim, dono de um carro seminovo, celular G3 e bicicleta de fibra de carbono não se rebaixaria tanto. Ao invés de submeter-se a validação de um Deus criador de todas as coisas, um homem de verdade só há de submeter-se à validação da ciência. Essa sim! Especialmente se a validação vier acompanhada de infográficos de alguma revista ou site de respeito.

Para o homem moderno, mistério tremendo e fascinante é a ciência. Numinoso é o gráfico da página central da publicação científica.

Dois mil anos atrás, no entanto, a apesar de todas as probabilidades, um judeuzinho petulante e até hoje desconhecido ousou dizer que um novo mundo surgia. Que o mysterium tremendum não estaria mais do lado de fora, que o homem já não mais deveria buscar validação em um numinoso exterior, superior e inalcansável. E isso por um simples e terrível motivo: o numinoso havia se tornado carne e feito a si mesmo servo de todos. O mysterium tremendum et fascinans havia cuspido na terra, tocado com suas mãos nas feridas abertas dos homens e coagulado seu sangue inocente no pó.

A busca pela validação tornou-se a busca pela liberdade antes entregue nas mãos do inefável, agora disponível a cada um. Aquela busca terrível que nascia outrora da Lei de Deus e brota hoje da Ciência, não é mais do que a busca desesperada do indivíduo por seu próprio coração perdido, como o homem de lata no Mágico de Oz.

"Porei minhas leis em sua mente e as escreverei em seu coração."
Hebreus 8:10

3 de fevereiro de 2011

O fim das corporações

Num papo de bar, motivado por aquela conversa estranha com João do Pó (não a minha, que não teve pé nem cabeça, mas a do Brabo), levantou-se a questão inevitável da revolução. Como poderia, nos perguntavamos na mesa do boteco, uma revolução surgir da negação? Não seria preciso empunhar uma bandeira, sair pelas praças e entoar cânticos, organizar seminários e lotar igrejas, estádios e auditórios de belos hotéis? Não seria preciso organizar tudo, montar um organograma e um cronograma, levantar e treinar líderes, montar uma aliança, instituir representantes e essa coisa toda?

Papo vai, papo vem, e chegamos na pessoa do apóstolo encrenqueiro, o Saulo de Tarso, que mudou de nome como alguns boxeadores famosos e acabou ficando conhecido como Paulo de Jesus. É a ele, o famoso autor de mais de meio Novo Testamento, que grande parte da cristandade atribui a culpa pelo surgimento do monstro descontrolado chamado igreja (a instituição religiosa, obviamente). Dizem muitos por aí que foi Paulo, em suas cartas, que inaugurou a hierarquia, o controle, as regrinhas, o machismo, a ênfase no comportamento e uma pequena porção de outras balelas defendidas nos púlpitos, escolas dominicais e seminários.

Paulo, o corporativista.

Lembrei-me de alguns sermões, algumas conversas constrangedoras no gabinete pastoral e umas tantas reuniões de liderança repletas de gráficos, percentuais, métodos e metas.

Depois parei para pensar no Paulo, coitado. Na sensação de desgosto que deve dar no cara. Tanto esforço para anunciar o evangelho da graça, incluindo o famoso peitaço no Pedro, e o sujeito termina assim, como boi de piranha na mão do clero.

Aí lembrei de suas cartinhas, escritas sempre para os que se reúniam na casa de fulano, cicrano, beltrano. Lembrei das saudações especiais para Áquila e Priscila, a famosa dupla caipira Trifena e Trifosa e o Rufo, a respeito de quem já escrevi aqui. Parece mais do que evidente que Paulo escrevia para pessoas, não corporações. Viajava para falar com gentes e ser usado para tocar o coração de gentes, não para fundar 'igrejas'. A consequência, sim meus amigos, simplesmente a consequência natural (não o propósito elaborado, maquinado, programado, articulado, estudado) é que ele ia embora e o povo que ficava, transformado pelo encontro com o Jesus do evangelho anunciado por Paulo, sentia o desejo enorme de reunir-se, e abriam as portas das casas uns pros outros, e repartiam o que tinham, e se instruiam de acordo com tudo que haviam aprendido e estavam aprendendo, e se ajudavam e ajudavam a todos e qualquer um, motivados por puro amor.

As instruções posteriores de Paulo, nada são além de dicas que ele enviava para a rapaziada, baseado nas dificuldades de cada grupo e nas circunstâncias e pressupostos da época.

As corporações religiosas, no entanto, abraçaram as dicas para se justificarem e perpetuarem e muita coisa virou dogma. "É assim que foi, é assim que tem que ser", dizem por aí os corporativistas. E seguem vivendo debaixo de normas e decretos e impondo a coisa toda sobre o povo que lideram.

Paulo era, sem dúvida, eloquente. Tinha o raciocínio rápido, apurado e preciso, presença marcante e cativante. Um sujeito como ele junta multidões, enche sinagogas e causa reboliços nas cidades. Mas era assim que ele era e, pelo que vemos em Atos e nas demais cartas, era o úncio entre os apóstolos que era assim.

Portanto, há quem seja assim, e que assim seja.

Mas no geral, a revolução há de ser silenciosa, discreta e imperceptível. Há de acontecer nos silêncios, nos intervalos, nas sombras, nos becos. Não na tempestade, nem no terremoto, nem no fogo, mas na brisa suave. Não nas corporações, mas nos becos.