30 de maio de 2011

O tempo e o vento

CÁNTICO Nº 50 DO HINÁRIO DA TRILHA

É só questão de investimento
Em vez de armas alimento
Deixar viver, dar o pão


Essa me faz lembrar aquela do João Alexandre: "Enquanto se canta e se dança de olhos fechados / Tem gente morrendo de fome por todos os lados..."




O Vento e o Tempo
Almir Sater e Paulo Simões

Por mais que tente
Não entendo
Todo mundo enlouquecendo
Quem é que está com a razão

E tanta gente ainda lendo
Velho e novo testamento
Sem compreender a lição

Verdade é voz que vem de dentro
E mata a sede dos sedentos
O pior entre os meus sentimentos
De mim foi levado enfim pelo tempo

Mais um milênio vem nascendo
De repente se perdendo
A melhor das ocasiões
É só questão de investimento
Em vez de armas
Alimento
Deixar viver, dar o pão

Nesse universo tão imenso
O meu caminho eu mesmo penso
E se um dia restar meu silêncio
É que as minhas canções
Se perderam no vento

♫ Conheça as outras músicas do Hinário da Trilha.

26 de maio de 2011

Verticalidades

Tente imaginar um gigantesco bloco de granito projetando-se a partir do solo verticalmente na direção das estrelas. Seis centenas de metros verticais de rocha cinza esticando-se como quem quer alcançar a lua, tocar os astros com seu cume crespo, fragmentado pela incidência incansável de tempestades magnéticas. Pense que seicentos metros equivalem a um edifício de duzentos andares. Agora tente imaginar um homem solitário no meio dessa parede gigantesca, agarrado à fendas, fissuras, buracos, cristais, reentrâncias e saliências da pedra, subindo passo a passo, mãos e pés lascados, moídos pelo atrito, pela pressão da pele na superfície áspera da rocha. Trezentos metros o separam do chão. Outros trezentos o separam do cume. E ele prossegue, metro a metro, içando o próprio corpo com passos de alucinate balé vertical. A trilha sonora para essa cena não é o eletrônico besta dos programas de TV com nomes de adrenalina radical ou coisa semelhante. A trilha, para quem assiste a cena de longe, é uma ópera! Mas para o homem agarrado ali, a trilha é o silêncio profundo soprado pelo vento gelado, rompido somente pela própria respiração calma, ofegante, arfada, extasiada, assustada, arrependida, maravilhada, apavorada, feliz, corajosa, convicta, reticente...

O horizonte desse homem é infinitamente maior do que o de alguém com os pés firmes no chão. O vazio que o rodeia assemelha-se ao infinito, a linha do tempo se rompe e o eterno envolve seus passos firmes na direção do topo.

E o homem prossegue, lentamente, passo a passo, acalentado pelo abraço terno do silêncio e da solidão profunda que o levarão ao mesmo tempo para o topo e para dentro de si. E não vê a hora de chegar lá.

25 de maio de 2011

Gente enterrada no chão

José Cláudio Riberio da Silva, o Zé Castanha, vivia em Nova Ipixuna, num canto esquecido do Pará. Vivia na floresta e da floresta. Colhia castanhas, fazia cestos, extraía óleos, sustento e alimento da generosidade graciosa e farta da floresta. Mas insistia em denunciar aqueles que, ao redor dele, botavam tudo no chão e faziam impiedosa e gananciosamente da floresta pó.

Terça-feira, 24 de maio de 2011, Zé Castanha e sua esposa foram mortos a tiros por pistoleiros a mando das madeiriras e carvoeiras da região.

Como havia profetizado na sua palestra no TEDx Amazônia, Zé Castanha seguiu os passos resolutos de Chico Mendes e irmã Dorothy e teve o mesmo fim que eles. Até quando?

À nós fica o lembrete, quando formos comprar nossos belos móveis de madeira de lei, que eles podem vir manchados de sangue.

PS: E agora nossos deputados queridos aprovaram o insaciável Novo Código Florestal brasileiro. Três vivas para as madeireiras, agronegócio e a ganância. Impunidade e destruição venceram mais uma.


[Zé Castanha] tá de prova
Naquele lugar tem cova
Gente enterrada no chão



Saga da Amazônia
Vital Farias

Era uma vez na Amazônia, a mais bonita floresta
Mata verde, céu azul, a mais imensa floresta
No fundo d'água as Iaras, caboclo lendas e mágoas
E os rios puxando as águas

Papagaios, periquitos, cuidavam das suas cores
Os peixes singrando os rios, curumins cheios de amores
Sorria o Jurupari, Uirapuru, seu porvir
Era fauna, flora, frutos e flores

Toda mata tem caipora para a mata vigiar
Veio caipora de fora para a mata definhar
E trouxe dragão-de-ferro, prá comer muita madeira
E trouxe em estilo gigante, prá acabar com a capoeira.

Fizeram logo o projeto sem ninguém testemunhar
Prá o dragão cortar madeira e toda mata derrubar:
Se a floresta meu amigo tivesse pé prá andar
Eu garanto meu amigo, com o perigo não tinha ficado lá.

O que se corta em segundos gasta tempo prá vingar
E o fruto que dá no cacho prá gente se alimentar??
Depois tem passarinho, tem o ninho, tem o ar
Igarapé, rio abaixo, tem riacho e esse rio que é um mar.

Mas o dragão continua a floresta devorar
E quem habita essa mata prá onde vai se mudar??
Corre índio, seringueiro, preguiça, tamanduá
Tartaruga, pé ligeiro, corre-corre tribo dos Kamaiurá

No lugar que havia mata, hoje há perseguição
Grileiro mata posseiro só prá lhe roubar seu chão
Castanheiro, seringueiro já viraram até peão
Afora os que já morreram como ave-de-arribação
Zé da Nana tá de prova, naquele lugar tem cova
Gente enterrada no chão

Pois mataram índio que matou grileiro que matou posseiro
Disse um castanheiro para um seringueiro que um estrangeiro
Roubou seu lugar

Foi então que um violeiro chegando na região
Ficou tão penalizado e escreveu essa canção
E talvez desesperado com tanta devastação
Pegou a primeira estrada sem rumo, sem direção
Com os olhos cheios de água, sumiu levando essa mágoa
Dentro do seu coração.

Aqui termina essa história para gente de valor
Prá gente que tem memória muito crença muito amor
Prá defender o que ainda resta sem rodeio, sem aresta
Era uma vez uma floresta na linha do Equador

23 de maio de 2011

Caçador de Mim

CÁNTICO Nº 49 DO HINÁRIO DA TRILHA

Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo



Caçador de Mim

Sérgio Magrão e Luis Carlos Sá

Por tanto amor
Por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz
Manso ou feroz
Eu caçador de mim

Preso a canções
Entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar
Longe do meu lugar
Eu, caçador de mim

Nada a temer senão o correr da luta
Nada a fazer senão esquecer o medo
Abrir o peito a força, numa procura
Fugir às armadilhas da mata escura

Longe se vai
Sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir
O que me faz sentir
Eu, caçador de mim

♫ Conheça as outras músicas do Hinário da Trilha.

19 de maio de 2011

O homem: as viagens

De Carlos Drumond de Andrade

O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua

Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte – ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro – diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
vê o visto – é isto?
idem
idem
idem.

O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol, falso touro
espanhol domado.

Restam outros sistemas fora
do solar a col-
onizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver. 

(ANDRADE, 1978: 448-450)


Veja também:
A Validação do Óbvio

Oração

A última oração da banda mais bonita da cidade.



17 de maio de 2011

Facamolada

Mais um Sarau em Blumenau. 
Música, poesia, artes-plásticas, literatura, fotografia, abraços e conversas.
Se acheguem.


saraufacamolada.blogspot.com

16 de maio de 2011

Sobre Todas as Coisas

CÁNTICO Nº 48 DO HINÁRIO DA TRILHA

Ou será que o Deus
Que criou nosso desejo é tão cruel
Mostra os vales onde jorra o leite e o mel
E esses vales são de Deus



Sobre Todas as Coisas

Edu Lobo e Chico Buarque (Maria Rita)

Pelo amor de Deus
Não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus até fica zangado vendo alguém
Abandonado pelo amor de Deus

Ao Nosso Senhor
Pergunte se Ele produziu nas trevas o esplendor
Se tudo foi criado - o macho, a fêmea, o bicho, a flor
Criado pra adorar o Criador

E se o Criador
Inventou a criatura por favor
Se do barro fez alguém com tanto amor
Para amar Nosso Senhor

Não, Nosso Senhor
Não há de ter lançado em movimento terra e céu
Estrelas percorrendo o firmamento em carrossel
Pra circular em torno ao Criador

Ou será que o Deus
Que criou nosso desejo é tão cruel
Mostra os vales onde jorra o leite e o mel
E esses vales são de Deus

Pelo amor de Deus
Não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus até fica zangado vendo alguém
Abandonado pelo amor de Deus

♫ Conheça as outras músicas do Hinário da Trilha.

12 de maio de 2011

O Deus moribundo

"Não olhamos para as árvores como Dríades ou como belos objetos quando as cortamos em feixes para lenha: o primeiro homem que fez isso deve ter sentido o preço agudamente... As estrelas perderam sua divindade à medida que a astronomia se desenvolveu, e o Deus Moribundo não tem lugar na agricultura química. (...). Reduzimos as coisas à mera natureza de modo a que possamos 'conquistá-las'."

C. S. Lewis em A Abolição do Homem.



Veja também:
Apesar de Copérnico, todo cosmos gira ao redor de nosso pequeno globo

9 de maio de 2011

Dom Quixote

CÁNTICO Nº 47 DO HINÁRIO DA TRILHA

E seja onde for, qualquer lugar
Levar a luz que te conduz
Jamais abandonar o dom que te seduz




Dom Quixote
César Camargo Mariano e Lula Barbosa
(Maria Rita)


Cavaleiro andante estrela marginal
Sobre o Rocinante escravo de metal
Um acorde rasga o céu
Raio negro a cavalgar o som
E cavalgar sozinho... e cavalgar

Viverá pra sempre em nosso coração
O moinho vento nova geração
Um menino vai crescer
Procurando em cada olhar o amor
E caminhar, sozinho... e caminhar

Tanta gente se esconde do sonho com o medo de sofrer
Tanta gente se esquece que é preciso viver
Combater moinhos, caminhar entre o medo e o prazer
Somos todos na vida, qualquer um de nós
Vilões e heróis,vilões e heróis

E seja onde for, qualquer lugar
Levar a luz que te conduz
Jamais abandonar o dom que te seduz
E seja onde for, qualquer lugar
Levar a luz que te conduz
Jamais abandonar o dom que te seduz



Conheça as outras músicas do         
Hinário da Trilha.

5 de maio de 2011

Bate-papo com Stelinha Egg e Gaya

Trechos de entrevista concedida pela cantora Stellinha Egg e o marido maestro Gaya ao jornalista Aramis Millarch.

A família, a infância em Curitiba, a iniciação musical, São Paulo, Rio de Janeiro, o maestro Gaya, a turnê na Europa, os filmes (desaparecidos) da cantora no exterior e uma série de 'causos' dos tempos de ouro do rádio e o início da TV.




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Links para a íntegra da entrevista de Stellinha Egg para o jornalista Aramis Millarch.
1. Stelinha e Gaya - 2h50m (a partir de 1h30, depoimento de Gaya, incluindo histórias de Guerra Peixe, Radamés Gnattali, música dodecafônica, a bossa nova, seus trabalhos com harmonia, arranjos, orquestrações e muito mais).
2. Stelinha Egg - mais de 2h de um papo delicioso


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Muito mais sobre Stellinha Egg aqui.

2 de maio de 2011

Drão

CÁNTICO Nº 46 DO HINÁRIO DA TRILHA

Se o amor é como um grão
Morre, nasce trigo
Vive, morre pão



Drão
Gilberto Gil

Drão!
O amor da gente
É como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar
Plantar nalgum lugar
Ressuscitar no chão
Nossa semeadura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Dura caminhada
Pela estrada escura...

Drão!
Não pense na separação
Não despedace o coração
O verdadeiro amor é vão
Estende-se infinito
Imenso monolito
Nossa arquitetura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Cama de tatame
Pela vida afora

Drão!
Os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão
Não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Se o amor é como um grão
Morre, nasce trigo
Vive, morre pão