27 de dezembro de 2012

Poesia e Hollywood

E eis que, descendo do carro junto dum templo, ouvimos uma voz que nos anuncia que este é o monte em que Jesus pregou o sermão das beatitudes. E isso nos alegra e comove, embora a voz não venha de nenhum anjo do Senhor, mas do Dr. Alexandre Dothan, nosso companheiro de jornada. Minha mulher me aperta a mão. Vejo em sua face que está comovida como eu, só que seu sentimento deve ser de caráter religioso, ao passo que o meu é, digamos, de natureza poética. Ou estarei apenas jogando com palavras? Não será a religião uma forma de poesia e a poesia, bem no fundo, uma espécie de religião?

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Saímos a andar pelas ruas da cidade, à sombra de suas belas arcadas multicentenárias. Afirma-se que a atmosfera mediaval da velha Acre foi preservada. Eu não me admiraria se agora parasse toda uma caravana com seu chefe, criados e camelos à frente deste edifício que outrora foi um caravançará, e cujas abóbadas góticas parecem contar-nos estórias, como se guardassem ainda o eco das vozes de xeques, mercadores, bandidos e beduínos. [...]

Um menino árabe aproxima-se de nós e nos diz em sua língua algo que Dothan imediatamente traduz. O moleque nos quer mostrar a casa onde os americanos filmaram cenas para o filme Exodus. Verifico mais tarde, decepcionado, que esta cidade, tão empapada de história antiga e legítima, parece orgulhar-se de ter fornecido parte do cenário natural duma película de Hollywood.


Érico Veríssimo,
no seu livro Israel em abril.

21 de dezembro de 2012

Na trilha do Natal


Nostalgia é meu ponto forte. Também meu grande defeito. Pois resolvi rever os textos natalinos já publicados aqui nesse blog desde sua origem, no distante ano de 2006. Em dezembro de 2006 absolutamente nada sobre o natal foi publicado. Nos anos seguintes houve certa regularidade.

2007 | Anunciação: ... e jamais houve natal.

2007 | Naquele natal: texto do Tato meu mano querido e parceiro discreto de blog.

2008 | Calvin: ganhar um monte de presentes é uma experiência muito religiosa para mim.

2009 | Não custa lembrar: a estrela é um bebê.

2009 | Lampião: derramou uma lágrima antes de sumir...

2010 | Corre, corre Jesus: Tirarm Jesus do armário, pois chegou o Natal.

2010 | Vai valer a pena: Alguém precisa fazer o trabalho sujo.

2011 | Prenhe: o Filho de Deus era um feto.

2011 | A flor mais bela do jardim: que hoje floresce dentro em nós.

18 de dezembro de 2012

Eu posso!

Não me dei ao trabalho de pesquisar maiores detalhes, mas a história é mais ou menos essa:
Colocaram à venda, num site que reunia programinhas para telefones celulares, um que apresenta na telinha o desenho de um diamante com a frase: "Sou rico e posso ter um diamante no meu celular". Custava uns míseros R$ 800,00.
Os mantenedores do site em questão acabaram achando o bagulho de mal gosto e o retiraram do ar. Mas no pouco tempo em que ficou disponível, 8 cópias do programinha foram vendidas.

Não estranhei. A única novidade nessa história é a sinceridade da declaração. Porque o normal é disfarçarmos toda a nossa ostentação, tentando nos passar por gente que preza pela qualidade, que admira a beleza, que colhe os frutos merecidos de nossa dedicação e trabalho.

Um dia nossos olhos se abrirão e então veremos, horrorizados, o tamanho de nossa estupidez. E seremos esmagados pela realidade inegável de nossa futilidade, desamor, indiferença e mesquinhez. E, de tanta vergonha, choraremos e rangeremos os dentes.

17 de dezembro de 2012

Natal é de Noel



Talvez seja efeito colateral do meu trabalho. Sou publicitário, confesso. No meu mundinho criminoso de incentivar o consumo abestalhado, os primeiros projetos de natal me chegam às mãos lá por julho, agosto. Imagine você, que considera um absurdo o comércio se enfeitar de pinheirinhos e bonecos de neve em novembro, o que é ter que começar a pensar em natal em julho. Uma lástima. Uma tristeza.

O que salva, nessas horas, é a bendita figura do Papai Noel. O velhinho simpático que roubou a cena daquele bebezinho no berço de palha, apesar do desgosto que causa nos cristãos fundamentalistas, é minha redenção. Porque sendo obrigado a ver a figura daquele gorducho bonachão desde julho até dezembro, todo santo ano, já peguei nojo. É um chato de galocha aquele barrigudo, e é exatamente isso que faz dele meu herói. Porque graças à onipresença do Noel e sua roupa rídícula de inverno, a figura do menino deus, os pastores, os bichinhos do presépio e os magos do oriente continuam habitando uma parte imaculada e infantil da minha alma.

Sinceramente, se eu fosse o papa, ou um desses pastores metidos a donos do rebanho todo, tipo o descompensado Silas Malafaia, baixava um decreto mudando a data do nascimento de Jesus pra janeiro. E mudava o nome da festa. Sei lá, quem sabe poderia ser Dia da Manjedoura. Deixava o Natal lá com o Papai Noel e os presentes, e a correria, e o consumo, e os shopping centers, e as promoções, e a jornada dupla no comércio, e a ganância, e a inveja, e os desejos incontroláveis, e todos essas virtudes que impulsionam nosso natalzinho capitalista. O presépio iria lá pra calmaria de janeiro, em baixo de um pé de sombra na praia ou na beira de um rio, ou numa praça da cidade, nesse período do ano onde está todo mundo tão endividado que o comércio dá aquela parada, como se estivesse de ressaca depois de um porre de consumo.

O Natal Dia da Manjedoura merece ser lembrado de forma discreta, calma e silenciosa.

10 de dezembro de 2012

Como deveria ser

Fotomontagem de Scott Mutter | photographymuseum.com

Foi no Butiquin Wollstein que vi essa imagem pela primeira vez. Não podia estar em melhor lugar. Igreja, e eu cheguei a escrever um livro pra dizer isso, deveria ser assim. Para o lado de fora.

7 de dezembro de 2012

[Meio]

Não há lugar para afeto
         No [meio] do concreto

Se duvida, leia essa notícia.

6 de dezembro de 2012

O sonho voltou

CÁNTICO Nº 57 DO HINÁRIO DA TRILHA

A felicidade vai
desabar sobre os homens


Menina, amanhã de manhã (O Sonho Voltou)
Tom Zé | Por Mônica Salmaso 

Menina , amanhã de manhã
Quando a gente acordar quero te dizer
Que a felicidade vai desabar sobre os homens
Vai, desabar sobre os homens
Vai, desabar sobre os homens

Na hora ninguém escapa
De baixo da cama ninguém se esconde
A felicidade vai desabar sobre os homens
Vai, desabar sobre os homens
Vai, desabar sobre os homens

Menina, ela mete medo
Menina, ela fecha a roda
Menina, não tem saída
de cima, de banda ou de lado

Menina, olhe pra frente
menina, todo cuidado
Não queira dormir no ponto
Segure o jogo, atenção de manhã

Menina a felicidade
É cheia de praça, é cheia de traça
É cheia de lata, é cheia de graça

Menina, a felicidade
É cheia de pano, é cheia de peno
É cheia de sino, é cheia de sono

Menina, a felicidade é cheia de ano,
É cheia de eno
É cheia de hino, é cheia de onu

Menina, a felicidade
É cheia de an, é cheia de en
É cheia de in, é cheia de on

Menina, a felicidade é cheia de a,
É cheia de é, é cheia de i, é cheia de ó...
♫ Conheça as outras músicas do Hinário da Trilha.

3 de dezembro de 2012

Que dizer


Como é que vou explicar
Pro menino no berço de palha
Que Natal agora é consumo
E nada mais que o valha

Como contar aos anjos
E pastores que ouviram louvores
Que o Natal transubstanciou-se
Numa festa de fartos horrores

Que dizer aos reis do oriente
Os magos d'astronomia
Que fizeram-se retirantes
Atrás de uma estrela guia

Adornai-vos de luxos e ouros
Da mais alta tecnologia
Afogai-vos em seus crediários
Que é chegado o grandioso dia

Lambuzai-vos em farto banquete
Até a derradeira migalha
Entoando os mais altos louvores
Ao menino no berço de palha