18 de março de 2013

A mais mesquinha das infâmias

Desapegar-se dos bens materiais pode parecer virtude louvável. É frase que saiu da boca de muitos santos e profetas que rasgaram o manto negro que costuma cobrir a humanidade e deixaram entrar um pouco de luz. Mas isso era em um tempo muito distante. É imperativo, agora, lembrar a todos e a mim mesmo que eles viveram em época venalmente distinta da nossa.

Desapegar-se dos bem materiais, hoje, parece ser a atitude mais banal do mais desligado dos homo-consumistas que infestam a superfície desse planeta. Chegamos (ou estamos bem próximos de chegar) à situação definitiva em que não há mais ninguém apegado a coisa alguma, a não ser a próxima. O desapego consumista nos faz abandonar o que temos em favor daquilo que ansiamos ter e assim sucessivamente, ad infinutum. É o desapego como a mais mesquinha das infâmias. 

Aos santos resta agora bradar a plenos pulmões, de cima dos telhados, que cada objeto tem inestimável valor e é preciso apegar-se a eles como a menina a seu ursinho de pelúcia. Sua caneta Bic e os copinhos de plástico que você usou naquela festinha semana passada valem a vida de um operário que trabalha embarcado em alguma plataforma de petróleo em alto-mar, distante de sua esposa e filhos por duas longas e solitárias semanas. Sua bola de basquete vale as asas de uma borboleta lilás, verde neon e púrpura, que foi extinta e nunca mais será vista. Seu lápis (se é que você ainda tem um), vale o pinus que tirou a vida de uma imbuia e os pulmões de um minerador de grafite. Seu celular e sua tablet valem a vida de uma ou duas crianças trabalhando em condições absolutamente insalubres em algum buraco lamacento no interior do Congo, e a dor insuportável nas costas de algum taiwanês. Seu tênis bacana, com amortecedores e impulsionadores, custa as 14 horas de trabalho de uma menina nos subúrbios da China.

Isso não é pouco, suponho. Mas há muito mais. Cada objeto de consumo pelo qual pagamos uma bagatela (ou nem tanto) foi imerso em suor e sangue, em dor e lágrima, em saudade e lesão por esforço repetitivo.

Nenhuma promoção da Casas Bahia deveria ser capaz de calar esse grito.

Um comentário:

  1. Belo texto, Tuco! Sempre penso que o estrago maior dessa natureza corrompida é a falta de equilíbrio: Amar demais vira egoísmo, amar de menos, descaso. Apegar-de demais, mesquinharia. Desapegar-se demais, frivolidade, consumismo... Eita! Desequilibrado homem que sou!

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