17 de maio de 2013

A trilha



Há uma trilha onde ninguém põe os pés a não ser que chore.
A não ser que sofra, que se derrame em lágrimas, que se desmonte.
Ela leva até os lugares mais altos, mas passa pelos mais profundos vales.
Tange despenhadeiros e se lança inconsequente em abismos escuros.
Cruza planícies infinitas de areia e sol, e se arrasta em grotas úmidas.
Não foi traçada em mapa algum e percorrê-la é andar às cegas, é um calvário, é cruz.

Mas ah... como é linda!
Como dança entre vales e montes, sinuosa, leve, sutil.
Como canta, feito sereia e sussurra segredos.

Há uma trilha onde ninguém põe os pés a não ser que cante.
A não ser que deite-se humildemente sob as estrelas.
Ela percorre vales e desertos, mas toca o céu e abraça nuvens.
Banha-se em véus de noivas e flutua leve sobre colinas e campos floridos.
Desliza em dunas de areias pra lançar-se alegre e viçosa ao mar.
Não foi traçada em mapa algum e percorrê-la é voar livre, é eternidade, é ressurreição.

Há uma trilha onde ninguém põe os pés a não ser que ame.

15 de maio de 2013

Pausa

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PAUSE 7 from PAUSE on Vimeo.


“Mas os dias que estes homens passam nas montanhas, são os dias em que realmente vivem. Quando as cabeças se limpam das teias de aranha, e o sangue corre com força pelas veias. Quando os cinco sentidos recobram a vitalidade, e o homem completo se torna mais sensível, e então já pode ouvir as vozes da natureza, e ver as belezas que só estavam ao alcance dos mais ousados.”
Reinhold Messner

13 de maio de 2013

Quando sentir falta

Falávamos da figura do pastor, no debate organizado em Joinville sobre o livro "Igreja entre aspas". A questão era onde iria parar o pastor quando não houvesse estrutura e cargo e local e ordenação, conforme o livro parecia propor ser possível, talvez ideal. E surge de uma moça possivelmente solteira, talvez preocupada com seu futuro, a pergunta que lhe afligia a alma: "e quando alguém vai casar, quem faz a cerimônia?".

É incrível o ponto a que chegamos. Dependemos dessa figura misteriosa no mínimo para legitimar as cerimônias mais marcantes, aquelas que o catolicismo chama de sacramentos. Tudo bem não ser pastor para pregar domingo. É estranho, mas dá pra engolir. Mas e o casamento? E o batismo? E o funeral?

Se a pergunta tivesse sido hoje, eu responderia com outra: "quer chamar o Pastor Marcos Pereira pra fazer o casamento?". O cara é pastor ordenado. Estupra, manda matar desafetos e ganha uns trocados com tráfico de drogas, mas é ungido do Senhor, quem se levantará contra ele? Tem um número absurdo de gente saindo em defesa desse homem simplesmente pelo pressuposto que seu cargo religioso impõe. A função, a profissão, que há muito tempo não tem mais absolutamente nada a ver com dom, infere ao sujeito prerrogativas de santidade, de unção, de intocabilidade.

E os seus pares o defendem, o protegem ou se calam.

É claro que Marcos Pereira não é regra, apesar de ser assombroso o número de pastores envolvido em politicagens e bandidagens nos mais variados níveis. Esses são caso de polícia e, se tudo correr bem, serão desmascarados num efeito cascata. Ou não. Mas não é disso que falo aqui.

Me refiro aqui à aura que cerca a figura do pastor, mesmo nos ambientes religiosos mais saudáveis. E ao espírito mafioso de protecionismo corporativista que faz com que a imensa maioria dos mais bonzinhos se calem diante de absurdos. Desde os absurdos da bandidagem, até os absurdos sutis que tornam o 'rebanho' dependente do 'clero'.

Quem faz seu casamento, minha amiga? Pode ser seu pastor, se você for membra de uma igreja formal e assim você desejar. Caso contrário, que seja seu pai, seu irmão, sua tia, seu amigo mais chegado. Alguém que você respeite e admire. Peça para que ele fale algo, ponha as mãos sobre sua cabeça e de seu noivo, e carinhosamente abençoe suas vidas.

E faça o mesmo toda vez que sentir falta de um pastor.

O sacerdócio é universal.

6 de maio de 2013

Fábulas (3)

3. Os hereges

Seria muita mamata mastigar e cuspir aqui mesmo para quem interessar, uma singela lista de cristãos que honraram o nome de Cristo. Além disso, seria preciso antes de mais nada lembrar que entre eles não haveria nenhum santo, no sentido popular do termo. O mais marcante sinal de um seguidor do mestre judeu é, e será sempre, sua humanidade aprofundada ao extremo.

O próprio Jesus de Nazaré não foi em vida visto como santo. Sua fama era de glutão, festeiro e beberrão. Santo era Caifás. Jesus era proscrito. Santo, hoje, é o Malafaia, o Feliciano e essa pastorada besta que se vende como 'ungidos' do senhor. Jesus não tem nada a ver com eles. A lista de seguidores de Jesus incluiria, sem dúvida, alguns cristãos da ala protestante, reformada. Encontraríamos católicos também, é óbvio. Pelo menos um hindú muito conhecido estaria entre os selecionados. Sem dúvida alguns agnósticos e ateus. E por aí vai.

Eu tenho em mente pelo menos meia-dúzia de nomes famosos, além, é claro, da tia Aci. Mas para vasculhar entre alguns recentes, nada melhor que consultar o excelente Alma Sobrevivente: Sou cristão, apesar da igreja, de Philip Yancey. Fica registrado ainda aqui, como observação final, que na lista abaixo temos pelo menos um representante de cada um dos seguintes ítens: protestantes, católicos, hindus, alcoólatras, fumantes, ortodoxos orientais, gente que negou cristo, que teve casos extra-conjugais, agnósticos e homossexuais. Coisa de arrepiar a espinha dos 'ungidos' de hoje.

Segue a lista do sumário do livro, e o link para o PDF do primeiro capítulo.

MARTIN LUTHER KING JR
G. K. CHESTERTON
DR. PAUL BRAND
DR. ROBERT COLES
LEON TOLSTOI E FYODOR DOSTOIEVSKI
MAHATMA GANDHI
DR. C. EVERETT KOOP
JOHN DONNE
ANNIE DILLARD
FREDERICK BUECHNER
SHUSAKU ENDO
HENRI NOUWEN

PDF no site da editora

[ continua... ou não ]

2 de maio de 2013

Fábulas (2)

2. Zeitgeist

Evidentemente crer em duendes e fadas pode ser um bom começo, mas não será suficiente.

É estranho que seja argumento para inviabilizar a factualidade de uma história, a descoberta de que a mesma esteja presente em mitos antigos. É um argumento comum, mas fundamenta-se em uma lógica que não consigo alcançar. O fato de que várias culturas distintas, em épocas e lugares imensamente distintos, tenham desenvolvido mitos comuns de redenção, me parece reforçar, para não dizer confirmar definitivamente, que há um anseio comum latente, pulsante e esperançoso que contaminou a humanidade desde seus estágios embrionários e varou os séculos e os milênios em angustiante espera por sua realização.

Encontrar em mitos antigos, então, histórias semelhantes à narrada nos evangelhos, está longe de ser uma descoberta que fragiliza a fé. Pelo contrário, é descoberta que a reforça, a fortalece, a deixa ainda mais assustadoramente universal. O fato de essa história ter sido sonhada, contada, cantada e poetizada por séculos e séculos, nas mais diferentes formas, pelos mais diferentes povos e culturas, entrega à narrativa da vida de Jesus ainda mais sentido, força e espanto.

A própria bíblia dá a entender essa universalidade das narrativas nela contidas em vários pontos. De Melquisedeque, ainda no livro de Gênesis, ao Deus desconhecido descortinado por Paulo no Aerópago.

Mas encontrar mitos semelhantes ao mito encarnado de Cristo tornou-se tão estimulante aos céticos, ateus e místicos das ondas new age, que até factóides e distorções da história antiga passaram a ser criados, produzidos e divulgados, gerando espanto em multidões que, por algum raciocínio enviesado, deixaram cair por terra a mais documentada das histórias antigas, trocando-a pelos exageros e desvarios de vídeos como Zeitgeist.

Chega a ser engraçado que a história cristã, que foi muitas vezes desacreditada justamente pelas várias mentiras que o cristianismo de fato criou para fundamentar seus interesses doutrinários, esteja agora vendo o mesmo acontecendo do outro lado. Uma rapaziadinha descabeçada criando mentiras abobalhadas para desacreditar a fé e promover, ora o ateismo cientificista, ora o misticismo novaerista.

Enfim, para levar a sério a estranha fé cristã, basta olhar para as histórias de seus seguidores. Mas é claro que será preciso, evidentemente e de uma vez por todas, entender que o cristianismo oficial não tem nada a ver com essas histórias. Cristianismo, desde Constantino, é projeto político, de poder e controle. A fé cristã, ou o espírito de Cristo, varou os séculos discretamente, nas periferias e entre os hereges. Deixe de lado os relatos oficiais. Será preciso garimpar para encontrá-los.

[ continua ]

Veja também: Fábulas (1)