Graças ao amigo carioca Sid Soares, tive acesso à mais algumas músicas interpretadas por Stellinha Egg. E não é que ela estava na trilha sonora do premiadíssimo filme de Sérgio Ricardo, Esse Mundo é Meu?
Sua voz embalou a "Cabocla Jandira", composição do marido, maestro e arranjador, Gaya.
A impressionante trilha do filme foi composta por Sérgio Ricardo e Gaya e a orquestra arranjada e dirigida por Gaya.
Salve esse post nos seus favoritos e volte aqui numa noite solitária e nostálgica, para assistir o filme completo.
Prêmios e festivais do filme:
- Exibido no Festival Internacional de Filme no Líbano, 1964
- Exibido na Mostra do Cinema Novo, Gênova, Itália, 1964
- Considerado pela revista francesa especializada "Chiers du Cinema"
um dos filmes mais importantes de 1964, artigo de Luc Mullet, junho-julho de 1964
- Festival de Marília, São Paulo, 1965, melhor filme.
19 de maio de 2014
13 de maio de 2014
Reinaldo
Era com fervor descontrolado que Reinaldo defendia suas crenças. Metia-se em toda roda de conversa sempre que de longe ouvia algo a que poderia opor-se. E opunha-se. Tinha, de fato, mais argumentos do que se poderia supor quem o julgasse pela aparência, e usava-os com tamanha ênfase que era quase impossível contestar o que fosse. Estava sempre com uma bermuda velha, desbotada, e não calçava nada que lhe escondesse os dedos grossos e encardidos nos pés, e as unhas desfiguradas. Suas camisetas, e era só camisetas que usava, eram invariavelmente ornadas com manchas ou furos de traça. Quando falava agitava violentamente os braços longos e ossudos, balançando os cabelos desgrenhados enquanto ajeitava, com um franzir do nariz, os óculos que faziam sempre uma diagonal suave com a linha dos olhos. Não gostava de futebol, mas religião e política eram os assuntos sobre os quais reinava. Conseguia descrever detalhadamente os cantos mais obscuros dos assuntos mais complexos, sempre citando nomes e datas, e fazendo referência a filósofos ou teólogos. Não havia quem o batesse em argumentos e, mesmo quando parecia a todos absolutamente certo que Reinaldo estava absolutamente errado, ninguém era capaz de demonstrar-lhe o erro.
Terrível era descobrir que Reinaldo não defendia nenhuma posição política ou religiosa. Ou talvez defendesse todas. Em determinado dia convencia alguém de que não havia outra posição aceitável que não a da esquerda, para no dia seguinte defender o contrário e convencer um outro de que era mesmo a direita a única saída. Conservador na segunda, liberal na terça, demonstrava de todas as formas e com lógica surpreendente, deixando ateus sem palavras e agnósticos convertidos, que o Jesus dos evangelhos havia de fato nascido e vivido e morrido e ressuscitado e era, portanto, o Deus encarnado. Mas na manhã seguinte convencia qualquer um que o Cristo dos cristão não havia sequer existido.
Descadeirava quem quer que fosse em qualquer que fosse o confronto, sempre com classe, sem exaltar-se, sem levantar o tom de voz.
Até o dia em que, quando argumentava sobre um assunto qualquer com um pequeno grupo de curiosos em um bar na Beira-Rio, ouviu uma voz de mulher erguer-se por trás de si. "Você está errado!" e ele virou-se imediatamente, "o que diz simplesmente não pode ser verdade". A voz brotava calma e convicta de uma boca delicadamente larga, de lábios finos e rosados. A luz da tarde, que invadia o bar pela porta da frente, refletia inclemente nos olhos cor de mel daquela mulher, e cabelos castanho claros esvoaçavam ao vento trazido pela corrente do rio. Reinaldo ficou calado, com a boca entreaberta acompanhando os movimentos suaves daqueles lábios que apresentavam argumentos completamente contrários aos dele. De fato Reinaldo não ouviu argumento algum e só percebeu que estava sendo veementemente contrariado quando a mulher calou-se e o povo todo olhou para ele esperando sua tréplica. Ele encarou os rostos fixos em si por alguns segundos e voltou os olhos para a mulher que, agora, lhe fitava com as duas mãos na cintura e o rosto levemente pendido para o lado, olhando dentro de seus olhos, aguardando sua reação. Reinaldo permaneceu imóvel por alguns segundos, até que baixou a cabeça, meteu as mãos nos bolsos e sorriu. Depois olhou para moça, acenou com a cabeça concordando com ela, e saiu caminhando lentamente, agora com um sorriso descontrolado, sentindo-se mais leve que nunca.
Terrível era descobrir que Reinaldo não defendia nenhuma posição política ou religiosa. Ou talvez defendesse todas. Em determinado dia convencia alguém de que não havia outra posição aceitável que não a da esquerda, para no dia seguinte defender o contrário e convencer um outro de que era mesmo a direita a única saída. Conservador na segunda, liberal na terça, demonstrava de todas as formas e com lógica surpreendente, deixando ateus sem palavras e agnósticos convertidos, que o Jesus dos evangelhos havia de fato nascido e vivido e morrido e ressuscitado e era, portanto, o Deus encarnado. Mas na manhã seguinte convencia qualquer um que o Cristo dos cristão não havia sequer existido.
Descadeirava quem quer que fosse em qualquer que fosse o confronto, sempre com classe, sem exaltar-se, sem levantar o tom de voz.
Até o dia em que, quando argumentava sobre um assunto qualquer com um pequeno grupo de curiosos em um bar na Beira-Rio, ouviu uma voz de mulher erguer-se por trás de si. "Você está errado!" e ele virou-se imediatamente, "o que diz simplesmente não pode ser verdade". A voz brotava calma e convicta de uma boca delicadamente larga, de lábios finos e rosados. A luz da tarde, que invadia o bar pela porta da frente, refletia inclemente nos olhos cor de mel daquela mulher, e cabelos castanho claros esvoaçavam ao vento trazido pela corrente do rio. Reinaldo ficou calado, com a boca entreaberta acompanhando os movimentos suaves daqueles lábios que apresentavam argumentos completamente contrários aos dele. De fato Reinaldo não ouviu argumento algum e só percebeu que estava sendo veementemente contrariado quando a mulher calou-se e o povo todo olhou para ele esperando sua tréplica. Ele encarou os rostos fixos em si por alguns segundos e voltou os olhos para a mulher que, agora, lhe fitava com as duas mãos na cintura e o rosto levemente pendido para o lado, olhando dentro de seus olhos, aguardando sua reação. Reinaldo permaneceu imóvel por alguns segundos, até que baixou a cabeça, meteu as mãos nos bolsos e sorriu. Depois olhou para moça, acenou com a cabeça concordando com ela, e saiu caminhando lentamente, agora com um sorriso descontrolado, sentindo-se mais leve que nunca.
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