23 de julho de 2014

Coisa esquisita no ar


Há alguma coisa esquisita no ar
Um vento pesado, denso e forte
Um cheiro estranho e a amargo de morte
Um gosto afiado de faca e corte
Um golpe de espada, uma cruz, uma chaga
Uma longa risada, um punhal, uma adaga
Um corpo caído, um homem traído
Um frio desgraçado, um sorriso gelado
Uma cheia, tempestade de areia
Um toró, gente fria, sem dó
Chutando, empurrando, passando por cima
Uma canção sem acorde, poesia nem rima
Uma coisa, enfim, esquisita no ar
Como fosse uma vaga, sem piedade
Que nasce no umbigo da humanidade
E escorre vazia, sem amor, remorso nenhum
Da boca, das mãos e dos olhos
De cada um

Tuco Egg
23/07/2014

11 de julho de 2014

O que ele disse

Jesus nos ensinou como viver, mas agimos como se tivesse nos ensinado como pregar.

Ele veio para que tivéssemos vida, mas agimos como se fosse para que tivéssemos o discurso correto. 

Nos ensinou a servir, mas queremos convencer.

Nos ensinou a amar incondicionalmente, mas aprendemos a incluir uns e excluir outros do nosso abraço.

Foi amigo de pecadores, nós só nos aproximamos de santos.

O representante típico do cristianismo retira da boca de Jesus parte de seu mais famoso sermão e a aplica contra o mestre: vocês ouviram o que Ele disse, eu porém vos digo.

1 de julho de 2014

Amigos de montanha

É revelador, no caso da página de agradecimento do meu novo livro, que o verbo passar, na terceira pessoa do plural, tenha exatamente a mesma conjugação no passado e presente.

Aos amigos de montanha, pelo tempo que passamos lá.


Foram muitos os amigos que fiz na montanha e, definitivamente, são os melhores. Me desculpem os demais, mas amizade de montanha é um tipo de amizade plus. Você passa fome, sede, frio e medo pavor junto. Dorme junto, repartindo aquele cheiro azedo de chulé e suor. Amigos de montanha passam a noite encolhidos e encharcados no meio do mato porque a lona que cobria as redes rasgou. Compartilham muita chuva e ficam com os cabelos arrepiados pela estática dos raios ribombando ao seu redor durante uma tempestade de verão. Amigos de montanha jantam miojo cru porque o fogareiro não funcionou e telefonam às 6h da manhã de domingo pra marcar aquele bate e volta no Canal. Amigos de montanha colocam de novo no lugar o dedo destroncado do parceiro que caiu numa greta e arrancam espinhos das costas do irmão alvejado por um cacto voador.

Não há, portanto, como comparar. Amigo de montanha é amigo e mais um pouco, ou muito. E dedico o livro que escrevi a cada um deles.