30 de julho de 2015

Por traz de cada cara lavada


Foi por acaso que Menelau descobriu que há um ângulo preciso, medido em grau, minuto, segundo e milésimos de segundo, pelo qual se pode ver a verdade escondida por traz da cara lavada de quem quer que seja. E a verdade é coisa tão intensa e vigorosa que mesmo vazando por uma falha mil vezes mais fina que um fio de cabelo, surgiu, naquele momento, tão violenta que lançou Menelau ao chão.

Theodoro Cortêz estava postado a seu lado, rijo, impassível, com o peito estufado e o olhar fixo na tapera de madeira onde Menelau viveu nos últimos cinco anos com a esposa e três filhos. À direita de Cortêz as máquinas prontas para o ataque. De dentro da casa se ouvia a gritaria das crianças e da mulher, enquanto capangas lançavam fora os poucos pertences da família. Menelau já havia dito a Jacira que não haveria como detê-los, que fizera tudo que pôde mas não tinha como brigar com gente daquele tamanho. Os móveis velhos, as roupas surradas, as panelas, os pratos, os brinquedinhos das crianças, tudo ia sendo ensacado e carregado para fora, com Jacira berrando e as crianças chorando. Menelau sentia mais dor pelo grito e pelo choro que pela casa, apesar de saber que não teria onde dormir naquela noite. Olhava a cena de cabeça baixa, humilhado, constrangido. Quando o último saco foi retirado do caminho, Menelau virou a cabeça discretamente, com os olhos cheios d'água, na direção de Theodoro. O homem mostrava agora um arrogante sorriso de vitória, e encarou Jacira e as crianças com um desprezo que beirava o nojo.

Altivo e presunçoso, Theodoro Cortêz lançou seu derradeiro olhar esnobe sobre Menelau. Foi quando os olhos dos dois se encontraram que ocorreu o inacreditável - Menelau foi atingido com toda força pela verdade pura que vazou instantaneamente dos olhos de seu algoz e, como fosse a rajada de um vigoroso tufão, lançou-lhe estirado ao solo. Theodoro, Jacira, as crianças e os brutamontes assustaram-se com a cena, mas só Menelau encontrara-se no lugar exato que lhe permitiu ver e absorver a verdade que vazou daquele olhar petulante. Caído no chão, esfregava os olhos e a cabeça, confuso, perplexo, assuntado, porque a verdade por trás daqueles olhos era espantosamente bela, pura, virtuosa, encantadora, sublime, nobre, inocente, amorosa, meiga e gentil. Era difícil associar tal verdade profunda ao rosto sisudo daquele homem. De onde estava, ainda atordoado, Menelau procurou novamente os olhos de Theodoro, mas viu então somente a arrogância cruel que todos viam. Compreendendo em um estalo a epifania que se lhe revelara, sentiu uma dor aguda na alma e encheu-se de compaixão. Sem tirar os olhos compassivos e mareados da face dura de Theodoro Cortêz, Menelau ergueu-se lentamente e, chorando, abraçou-o com força e sussurrou em seu ouvido: "eu perdôo o senhor, seu Cortêz, porque você não sabe quem é. Espero que um dia descubra e seja livre." E, enquanto sussurrava, molhando com suas lágrimas os ombros duros de Theodoro, viu o homem, com um movimento suave da cabeça, assentir para as máquinas, que botaram a casa abaixo.

"Essa gente aí, como é que faz" 

14 de julho de 2015

Vem comigo

Como farei diferente?



VEM COMIGO
Tuco Egg

É comum para o cristão
Querer ser um com seu irmão
Mas o chamado anunciado
Pelo mestre desajuizado
É mais difícil, trabalhoso
Exigente e complicado

Porque unidade com irmão
É muito arroz com feijão
É como amor selado em beijo
Goiabada em pão de queijo
Abraço amigo, camarada
Em um velho benfazejo

Quero ver é desatar o nó
Do emaranhado que sem dó
Nos meteu Nosso Senhor
Que com olhar contagiante
Pra qualquer um meliante
Derramou perdão e graça
Sempre incondicionalmente
E eu que o sigo cambaleante
Como farei diferente?

Quero ter o olhar do mestre
Que diz que amor só tem valor
Quando amado é o inimigo
E se o inimigo amado for
Ora, faça-me o favor
Da minha parte faz-se amigo
Abro os braços, vem comigo
Eu, ele e qualquer um
Somos um com cada um