25 de agosto de 2008

O campo dos Wagner [1]

Aparições

A região do vale não é, tecnicamente, propícia a tais fenômenos. O relevo acentuadamente irregular e a alta incidência de tempestades tornam o lugar pouco atrativo às aparições. Mas isso não mudaria em nada a reação de desdém dos moradores à história narrada pelos dois colonos. As estranhas marcas circulares no pasto deixaram o povo curioso e nada mais. Um pequeno grupo informal de pesquisadores, vindo não se sabe de onde, que apareceu dias depois é que concluiu, pelos dados levantados, que a história não merecia crédito. Pelo menos até o segundo evento. Os moradores agora já não tinham os olhares céticos de antes. Os fatos tornaram-se alarmantes. Ninguém sabia explicar como o gado morrera, especialmente em tão improváveis condições. O primeiro a encontrá-los foi o pequeno Ernst. Estavam amontoados em um canto do pasto, uns sobre os outros, todos com a cabeça deslocada e sem uma gota de sangue derramada. As marcas circulares no pasto repetiram-se como da primeira vez. Nenhuma outra marca além delas foi encontrada. Impossível imaginar como as reses foram desnucadas e amontoadas. Dezenas de curiosos peregrinaram até o sítio dos Wagner para ver as incríveis evidências. A obtusa equipe de pesquisadores, certamente alertada por algum morador, retornou com urgência, coletando o máximo possível de fatos, fotos e depoimentos ainda antes da chegada do exército. Depois sumiram. Ninguém mais na vila soube deles. O exército tratou de desaparecer rapidamente com o gado, proibindo, apesar das muitas críticas, que os animais fossem carneados.

Fugindo do movimento todo em torno do sítio, o pequeno grupo de amigos reuniu-se para conversar, a convite dos irmãos, em um fogo de chão ao lado da pequena cabana ao pé da serra. O chimarrão circulava de mão em mão e as conversas tinham inevitáveis tons de brincadeira, apesar do indisfarçável nervosismo nos risos. Falavam de ETs, chupa-cabras e mula-sem-cabeça, sempre referindo-se à impressionante história no pasto dos Wagner. Contavam as mais variadas e criativas mentiras e riam um bocado em torno da mesa, cada vez mais descontraídos à medida que o chope e a cachaça diluíam-se no sangue, avermelhando os rostos, enquanto os irmãos faziam o fogo. Quando a madeira já fazia excelente brasa, os Wagner pediram licença e foram até o barracão de ferramentas, cerca de 50 metros adiante, já dentro da floresta. Caminharam sisudos em direção à escuridão do mato, revelando na face alterada uma mistura de ansiedade e insegurança. O grupo permaneceu em curioso silêncio, sorvendo o mate das cuias e observando as fagulhas que lançavam-se no denso negro da noite. Minutos depois, olharam quase que simultaneamente na direção dos irmãos, que ressurgiam do breu da noite delatados pelo rangido das engrenagens de um pequeno carrinho de carga puxado à mão. Sobre ele descansava o corpo inerte de um bezerro desnucado e sem sinal de corte.

[continua na próxima segunda-feira...]

Um comentário:

  1. E...??? Vamos, vamos!!! Só segunda?!?! Não pode ser!!! Tá parecendo a "Cor do Encarnado" do P. Brabo!!! Desenrola esta história, meu!!!

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