1 de março de 2010

Um pescador [3]

3. OVELHAS

No início o trabalho o empolgou. O cheiro do mar, o rangido do barco e das cordas, a brisa fresca. Mas foi fogo de palha. Logo sentia novamente aquele peso incrível nos ombros. A noite toda sem peixes o deixou ainda mais frustrado. Sentado na proa com os braços soltos ao longo do corpo, olhava fixo para a praia. O balanço da água emabaralhou novamente todas as suas sensações e memórias. Cada jogada do barco soprava-lhe uma brisa de esperança. Ansiava vê-lo novamente. Desejava profundamente ouvi-lo. Não conseguia abandoná-lo, deixá-lo para trás. Sua mente divagava em sonhos de angústia - Quem sabe ele apareça de novo. Quem sabe volte a me chamar de amigo. Quem sabe venha andando sobre as águas. Quem sabe...

Quando um homem apareceu na praia e pediu-lhe que lançasse a rede novamente, parecia ainda um borrão deformado pela lâmina de água que insistia em brotar de seus olhos.

Quando João gritou - é o mestre! - sua alma explodiu em sensações descontroladas. Horror, alegria, esperança e ansiedade tomaram conta de seus músculos e mente e, quando deu por si, estava encharcado e nu na areia arrastando sozinho uma rede repleta de peixes.

- Sentem aqui. - falou o mestre mansamente - Já fiz o fogo. Vamos comer um peixinho.

Que angústia terrível acompanhou aquela refeição. Pedro olhava para o mestre como quem quer mais do que tudo o perdão. Parecia gritar com os olhos que estava disposto a tudo para ser novamente aceito. Faria o que fosse possível, e até mais do que isso, para redimir-se se tão somente lhe fosse dada uma nova chance. A ansiedade doía como fosse arrebentar-lhe de dentro pra fora. Cria que ouviria agora um sermão. Mais que isso; desejava ouvi-lo. Quando Jesus o olhou nos olhos, quase pode ouvir o canto do galo. A culpa o corroía implacável. Sua alma se contorcia como uma lesma desfazendo-se em água debaixo de um punhado de sal. O olhar, no entanto, era repleto de compaixão. E a voz macia como veludo.

- Você me ama, Pedro?

A pergunta repetiu-se três vezes. Sempre seguida de um desconcertante convite amoroso e confiante.

- Cuide das minhas ovelhas, Pedro, cuide das minhas ovelhas. Não tem castigo, lembra? "Eu também não a condeno" foi o que disse para a mulher que o povo queria apedrejar. Você me ama Pedro? Cuide das minhas ovelhas. É isso. É simples assim. Foi para isso que eu o chamei três anos atrás. Você está pronto Pedro. Toda sua angústia, todo seu sofrimento, todo seu desespero eu carreguei comigo. Você não vê? Não há nada a ser pago. O perdão já é seu. Simplesmente caminhe, Pedro. Caminhe na direção do próximo. Cuide dele, Pedro. Cuide das minhas ovelhas.

Para o meu filho.

Esse texto nasceu de uma conversa arrebatadora com meu filho na Páscoa de 2008, quando ele estava com 8 anos. Sob a luzinha amarela do abajur na cabeceira de sua cama, contei para ele a história de Pedro e fiquei espantado com o realismo que tudo aquilo adquiriu diante de mim enquanto falava. No fim da conversa, imensamente comovido, levei-o até a sala e ouvimos juntos a música do Stênio na voz e violão do João Alexandre. A casa toda já dormia. Estávamos ali só nós dois quando os anjos baixaram lentamente ao nosso redor e o céu nasceu dentro de mim. Jamais estive tão próximo de Deus.

Obrigado, guri.



Vou pescar
Stênio Marcius na voz de João Alexandre
Do CD - É proibido pensar

Vou pescar
Parece que acordei de um longo sonho
Parece até que eu parei no tempo
Parece até que nada aconteceu

Vou pescar
Quem sabe ele apareça novamente
Quem sabe volte a me chamar de amigo
Quem sabe venha andando sobre as águas
Quem sabe...

O homem junto a fogueira
Convida pra ceia
Pra uma conversa sincera
Brasas queimando na areia
E dentro de mim
A lembrança de tê-lo negado
Por nada...

É a hora da verdade
Aqui bem perto da fogueira
Melhor jogar tudo que é palha no fogo

Olhe bem dentro dos olhos
Do homem que reparte o pão
E me diga se alguém é capaz de enganá-lo

Tu sabes todas as coisas
Tu sabes do meu amor por ti

Tu sabes todas as coisas
Tu sabes do meu amor por ti

Vou pescar...


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