21 de julho de 2011

Ter, pertencer e ir

Houve um tempo em que eu possuia uma igreja. Qual a sua igreja?, me perguntavam, e eu respondia na lata. Ou, talvez, era a igreja que me possuía, pois outros queriam saber de que igreja eu era membro; e eu sabia, e respondia. Outros ainda interessavam-se em saber onde ficava a igreja que era minha, e eu dela: Você vai em que igreja? Aquela!, eu respondia dizendo o nome.

Empobreci. Não possuo mais igreja nenhuma. Libertei-me. Igreja nenhuma me possui. E não há lugar onde possa esconder-me de mim, e criar aquele outro eu, e fechar-me em uma bela e agradável sociedade paralela.

Bebi a água do pote, entornei o caldo pra dentro, absorvi o discurso que encenei por décadas e me lancei na aventura dos que não tem onde repousar a cabeça. E encontrei a solidão, o buraco profundo da ausência, o eco das paredes da sala vazia. Não sou um agregador, confesso solitário. Sem os subterfúgios da instituição, caminho com dois ou três. É o suficiente, creio, mas não me habituo com facilidade.

Sinto-me leve, porém, sabendo que os verbos ter, pertencer e ir foram substituídos por um único verbo. Agora sou. E sendo, sou em qualquer canto, com qualquer um.

Quando dependia dos verbos ter, pertencer e ir, me reunia todo domingo no cultão, e toda quarta nas casas. Eventualmente uns dias aqui e ali em cursos ou jantares especiais disso e daquilo. E a agenda era cheia.

Agora, solitário, a agenda ressoa o eco da imensidão. É, no entanto, a alvura da agenda vazia que testifica o ser.  Hei de me habituar a ela. Hei de me habituar às ricas porém discretíssimas consequências de ser. Porque agora, sem agenda, sem endereço, sem posse, reúno-me como igreja mais do que nunca, em todos os cantos. Todo dia na hora do almoço com a família toda. Todas as noites um tempo na cama do meu filho, um tempo na cama da minha filha, cabecinha no ombro, histórias, risadas, memórias, sonhos e orações. Na minha cama com minha esposa, entre desabafos, risadas, problemas, cansaços, alegrias e outras coisas deliciosas. Todas as sextas, com um punhado de amigos queridos. Alguns sábados aleatórios, numa casa de recuperação. Às quartas, no hospital. Alguns fins de semana em Curitiba, com pais, irmãos e sobrinhos. Algumas noites em família, na sala de casa, com violão, livros, bíblia, teclado, partituras, pijamas, luz de abajour, teatros hilários e coreografias absurdas. E rolamos de rir e chorar, banhados por confissões e pedidos de perdão. De pai pra filho. De irmão pra irmão.

A solidão de hoje é ilusão, e sei disso há muito tempo. É que havia me acostumado com os barulhos de muita gente e esquecido que muita gente é o mesmo que ninguém. O tempo de ter, pertencer e ir passou, mas foi longo e deixou hábitos e costumes. O tempo de ser é um bebê recém desmamado que por vezes ainda chora, mas há de tornar-se homem. E homem emparelhado, ombro a ombro, com os dois ou três que por acaso estiverem fazendo o mesmo caminho.

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Dê uma olhadinha também no desigrejado Roger e
suas angústias.
Ou no dia do próximo passo.

5 comentários:

  1. Vc tem, pertence e "vai" a uma "comunidade" - não digo igreja pra não banalizar a situação - virtual. Mas muito real: a dos "desigrejados" e unidos ao Mestre.

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  2. Valeu Rubinho. Tâmo junto! :)

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  3. O melhor lugar para se esconder de Deus continua sendo uma igreja. (A internet e um Blog sobre Teologia também não é má opção).

    Não foi Davi quem inventou esse jogo: Para onde fugirei do seu Espírito?

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  4. Da igreja já fugi. Agora tenho que me cuidar com esses blogs de teologia perigosos :)

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  5. Que isso.. Original, revelado e divino.
    http://servoamigofilho.blogspot.com.br/

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