6 de março de 2013

Ichtys da prosperidade

A vida de um cristão no primeiro e segundo séculos poderia ser bastante complicada, especialmente próximo dos centros urbanos, onde a hostilidade de uns só era equiparada a empatia de outros. Eles eram conhecidos pelo amor, é o que registra o livro dos Atos dos Apóstolos, escrito pelo médico Lucas para seu amigo Teophilo, para explicar-lhe o que vinha acontecendo com aquela turba de loucos que afirmavam crer na ressurreição de um homem. Mas o amor não é coisa que se queira a não ser em poemas. Amor na vida real é o caos. O único amor permitido é aquele devotado às estruturas, às hierarquias, às disputas pelo poder, à própria imagem. Se seu amor não for desse tipo, meu amigo, sinto lhe dizer mas você será invariavelmente, mais cedo ou mais tarde, lançado aos leões.

Conta-se que a partir de certo momento, os cristão passaram a tentar ser mais discretos em seus encontros, para evitar as confusões muitas vezes seguidas de morte. Um cristão em um local público, para encontrar um amigo de fé, riscava discretamente um semi-circulo no chão, com o pé. E ficava por ali, aguardando a chegada de alguém que completasse o desenho com outro semi-círculo enquanto assobiava olhando os passarinhos. O resultado traçado no chão era o de um singelo peixinho de dar inveja a muito designer gráfico ainda hoje. O termo grego para peixe era ichtys (ictus), que passou a ser também um acrônimo para Iesous Christos Theou Yios Soter (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador).

Mas veio a reviravolta do terceiro século. O imperador converteu-se e a turma dos perseguidos passou a perseguir, numa inversão que faria arrepiar os pelos da barba de Cristo. Os que eram conhecidos por amar e, portanto, eram amadores (porque se armador é o que arma, que se dirá de quem ama?, diria Romerto Diamanso), profissionalizaram-se, hierarquizaram-se e desceram o sarrafo em quem não se dobrava voluntariamente e essa nova espécie bizarra de amor.

E passaram-se mil e setecentos anos de cristianismo repleto de escuridão e salpicado por alguns poucos lampejos de luz até que, lamento dizer, se foi por completo a esperança. Se ainda não foi para você, vamos conversar de novo daqui há uns anos mais. E o ichtys, outrora simbolo do amor que sofre mas não cala, cobre-se agora então, definitivamente, de novo e inexplicável significado. Já havia ouvido isso da boca de um vendedor de carros, mas agora estampa-se na página de renomado veículo de comunicação online, pela pena confusa de um jornalista desinformado, a nova e desoladora definição para o pobre peixinho. Eu o perdôo, UOL. A culpa não é sua. A culpa é do rumo torto e deprimente que tomou o cristianismo.

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