10 de abril de 2014

O brinde e o abraço

Não há no mundo nada mais belo que perdão e reconciliação. Dois homens, cabelos grisalhos, pele sulcada de rugas profundas, frente a frente, relembrando atritos passados e suas consequências e seu afastamento, depositando tudo humildemente sobre a mesa, não sem dor e horror, para despejar sobre eles o jarro do perdão e beber a taça da reconciliação, celebrada em um longo e silencioso abraço. O momento é solene e sagrado, e o pano de fundo que ninguém vê é o céu abrindo-se e despejando luz e graça embalada por desconcertante coros de anjos.

Não é à toa que Tiago afirmou ser morta a fé sem obras. Fé, do ponto de vista dos evangelhos ou, ainda melhor, do ponto de vista do protagonista dos evangelhos, não é nada mais do que uma rendição desarmada, irrestrita e incondicional ao amor. E é precisamente por isso que toda fé genuína é um passo decidido para dentro de uma floresta escura e misteriosa que esconde em si os mais belos cenários e as mais agudas dores. Alegria e dor são duas faces de uma mesma moeda - o amor.

Amor é verbo e verbo é palavra que exprime um fato, uma ação. Se não houver uma ação derivada, não é verbo, não é amor. Evidentemente todas as ações que o verbo amar exprime são essencialmente belas, mas entre todas não há maior, mais dramática e inebriante do que a ação do perdão que se desdobra em reconciliação.

Quando finalmente se abraçam homens que por anos nem se falavam, desce do céu o Reino anunciado pelo carpinteiro.

Perdão e reconciliação é a mensagem central do homem/Deus que deu o passo resoluto e definitivo para dentro da floresta escura do amor e nos chamou a todos para segui-lo em loucura semelhante. Perdão e reconciliação são ato de fé, ação do amor, que arrebenta a frieza de um mundo rancoroso e derrama luz e graça.

E isso tudo começa com Deus anunciando através do carpinteiro de Nazaré que Ele mesmo derrama perdão e reconciliação incondicional, que Ele mesmo, o Santo, o Justo, ao contrário do que anunciam por aí seus pretensos representantes atrás dos púlpitos, em momento algum permite que pecado, qualquer que seja, o demova de sua intenção maior e irrestrita de abraçar e perdoar sempre e de novo... e de novo. Dizer, como disse Paulo em uma de suas cartas, que Deus não leva em conta os pecados dos homens, equivale a dizer que Ele, o Eterno, está pouco se lixando para meus pecados, meu amigo, e, muito pior, me convida a fazer o mesmo em relação aos pecados de terceiros. Isso, evidentemente, não no sentido de que ninguém deve preocupar-se com o mal que meu pecado faz a mim mesmo ou a quem é atingido por ele. O assunto aqui é perdão e reconciliação. Você fez o quê? Disse o quê? De novo? Ok, tudo bem, venha aqui que quero te dar um abraço.

O abraço - perdão e reconciliação - de Deus precede e prescinde arrependimento e é terrível saber que, não bastasse assumir tamanha insanidade para si, o criador parece sugerir que façamos o mesmo. Estamos longe disso, eu sei, mas é esse o Reino que foi proposto. E é por isso que não é loucura afirmar que [1] só não entra no Reino quem não quer e [2] haverá de haver muitos que de fato não querem.

Para entrar no reino será preciso submeter-se à nudez e ao despojamento de quem perdoa e é perdoado.



Tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, ou seja, que Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo, não lançando em conta os pecados dos homens, e nos confiou a mensagem da reconciliação.
Paulo, escrevendo pra rapaziada de Corinto.

0 comentários:

Postar um comentário