13 de maio de 2014

Reinaldo

Era com fervor descontrolado que Reinaldo defendia suas crenças. Metia-se em toda roda de conversa sempre que de longe ouvia algo a que poderia opor-se. E opunha-se. Tinha, de fato, mais argumentos do que se poderia supor quem o julgasse pela aparência, e usava-os com tamanha ênfase que era quase impossível contestar o que fosse. Estava sempre com uma bermuda velha, desbotada, e não calçava nada que lhe escondesse os dedos grossos e encardidos nos pés, e as unhas desfiguradas. Suas camisetas, e era só camisetas que usava, eram invariavelmente ornadas com manchas ou furos de traça. Quando falava agitava violentamente os braços longos e ossudos, balançando os cabelos desgrenhados enquanto ajeitava, com um franzir do nariz, os óculos que faziam sempre uma diagonal suave com a linha dos olhos. Não gostava de futebol, mas religião e política eram os assuntos sobre os quais reinava. Conseguia descrever detalhadamente os cantos mais obscuros dos assuntos mais complexos, sempre citando nomes e datas, e fazendo referência a filósofos ou teólogos. Não havia quem o batesse em argumentos e, mesmo quando parecia a todos absolutamente certo que Reinaldo estava absolutamente errado, ninguém era capaz de demonstrar-lhe o erro.

Terrível era descobrir que Reinaldo não defendia nenhuma posição política ou religiosa. Ou talvez defendesse todas. Em determinado dia convencia alguém de que não havia outra posição aceitável que não a da esquerda, para no dia seguinte defender o contrário e convencer um outro de que era mesmo a direita a única saída. Conservador na segunda, liberal na terça, demonstrava de todas as formas e com lógica surpreendente, deixando ateus sem palavras e agnósticos convertidos, que o Jesus dos evangelhos havia de fato nascido e vivido e morrido e ressuscitado e era, portanto, o Deus encarnado. Mas na manhã seguinte convencia qualquer um que o Cristo dos cristão não havia sequer existido.

Descadeirava quem quer que fosse em qualquer que fosse o confronto, sempre com classe, sem exaltar-se, sem levantar o tom de voz.

Até o dia em que, quando argumentava sobre um assunto qualquer com um pequeno grupo de curiosos em um bar na Beira-Rio, ouviu uma voz de mulher erguer-se por trás de si. "Você está errado!" e ele virou-se imediatamente, "o que diz simplesmente não pode ser verdade". A voz brotava calma e convicta de uma boca delicadamente larga, de lábios finos e rosados. A luz da tarde, que invadia o bar pela porta da frente, refletia inclemente nos olhos cor de mel daquela mulher, e cabelos castanho claros esvoaçavam ao vento trazido pela corrente do rio. Reinaldo ficou calado, com a boca entreaberta acompanhando os movimentos suaves daqueles lábios que apresentavam argumentos completamente contrários aos dele. De fato Reinaldo não ouviu argumento algum e só percebeu que estava sendo veementemente contrariado quando a mulher calou-se e o povo todo olhou para ele esperando sua tréplica. Ele encarou os rostos fixos em si por alguns segundos e voltou os olhos para a mulher que, agora, lhe fitava com as duas mãos na cintura e o rosto levemente pendido para o lado, olhando dentro de seus olhos, aguardando sua reação. Reinaldo permaneceu imóvel por alguns segundos, até que baixou a cabeça, meteu as mãos nos bolsos e sorriu. Depois olhou para moça, acenou com a cabeça concordando com ela, e saiu caminhando lentamente, agora com um sorriso descontrolado, sentindo-se mais leve que nunca.

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