20 de outubro de 2015

As acerolas do jardim



Em um mundo onde o valor de uma pessoa é medido pela sua capacidade (e efetividade) de consumo, optar por não consumir não pode ser considerado uma medida popular. É verdade que há, atualmente, certo glamour em um estilo de vida alternativo, mas somente quando esse estilo é devidamente registrado por um iphone 5 em fotos e vídeos belíssimos e publicado em algum blog ou site hipster. De qualquer forma, um estilo de vida mais leve e generoso só faz sucesso quando o personagem que o encarna também o faz.

Um ricaço generoso e bonitão que constrói casas para desabrigados é admirado não por ser generoso e construir casas, mas justamente por ser um ricaço bonitão fazendo isso. O subproduto derivado desse personagem é o sujeito que sonha em ser rico e bonito para poder construir casas para desabrigados.

Um pé rapado que generosamente se dispõe a bater barro em paredes de pau a pique no sertão sem nada receber em troca, segue sendo um pé rapado como qualquer outro. Sua história pode gerar alguma empatia rápida, mas em uma análise mais criteriosa, o pé rapado segue sendo um perdedor.

O sujeito de classe média, com alguma bala na agulha no que diz respeito ao poder de consumo e que, mesmo assim, opta por consumir cada vez menos, acaba recebendo invariavelmente o rótulo de mão de vaca. E isso é notoriamente compreensível, porque não é possível ao homo-consumista imaginar que alguém, podendo, não compre, seja lá o que for. Isso é uma contravenção que deve ser tratada como fraqueza.

Negar o consumo é sacrilégio justamente porque consumir é ato sagrado. Frei Betto já descreveu com precisão os Shopping Centers como os novos templos da religião universal que abraçamos. O altar é o caixa, o sacrifício é oferecido nas máquinas de cartão de crédito, e a bênção recebida é o novo objeto de consumo que trazemos em mãos. Testemunho de fé é ostentar o produto adquirido da melhor forma possível, como, por exemplo, publicando no Facebook uma foto daquele prato de comida de um bar ou restaurante sofisticado.

Construir casas para desabrigados é atitude louvável e quem dera fosse repetida por muita gente mundo afora, mas o indivíduo que sonha com um mundo melhor e se debruça sobre as possibilidades de construí-lo disposto a calejar as mãos, deveria pensar na possibilidade de agir, desde já, de forma que um mundo assim seja minimamente viável. Um mundo melhor depende de um contingente maior de pessoas que, podendo consumir razoavelmente, optem por consumir menos. Não com o olhar penoso, sofrido e angustiado da criança que não pode comer os doces que estão sobre a mesa, mas com o olhar sereno, leve e satisfeito de quem está plenamente saciado com as acerolas do jardim e para quem os doces, de fato, não fazem a menor falta.

Um comentário:

  1. Anônimo11:46 AM

    Olá Tuco Egg,

    muito lindo, sereno, exato e oportuno.
    abraços
    denise senra

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