15 de setembro de 2016
Mataram meu vizinho
Descobri essa manhã que durante a madrugada meu vizinho foi morto de modo monstruoso. Não houve assalto, porque não havia o que assaltar. Meu vizinho foi queimado vivo e seu corpo foi encontrado carbonizado em casa. E eu, lamentavelmente, nunca soube seu nome.
Ele morava debaixo da marquise do Grande Hotel, em frente ao edifício onde trabalho. Eu o via todas as manhãs dormindo em um colchão velho entre papelões. Cumprimentei-o diversas vezes, mas jamais perguntei seu nome. Ele tinha nome, certamente, e uma história. Foi sua história, que devia ser bela e dura, porque absolutamente todas as histórias são belas e duras, que o conduziu, sabe-se lá por quê, à solidão daquela marquise, e às mãos estendidas nas esquinas atrás de algum trocado.
Ele foi queimado vivo bem aqui em frente. Foi riscado do mapa por alguém que riscou um fósforo. Assim, banal, como quem queima um saco de lixo. Mas ele era meu vizinho!
Houve alguém que ateou fogo no meu vizinho enquanto ele dormia e é aterrador que haja alguém assim, que risca um fósforo para obliterar um homem em chamas. Mas é terrível também que eu, que o via todas as manhãs, jamais tenha sabido quem ele era, nem lhe perguntado o nome, muito menos lhe estendido a mão.
Dia triste de luto e dor. Pela história do meu vizinho que jamais conhecerei, por quem ele era e nunca saberei, e por quem eu sei, miseravelmente, que sou.
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A culpa é toda sua. Você é de fato um miserável. Essa morte irá acompanhá-lo pro resto de sua vida. Enquanto ele estava vivo, você poderia tê-lo ajudado, mas preferiu escrever textos em seu blog ou choramingar as criancinhas famintas da África. Não reconhece o faminto da esquina, mas sonha em extinguir a fome da humanidade. Você também riscou esse fósforo, muito embora haja outros como ele, ao relento, esperando por sua ajuda. Se mais um for queimado, este também terá outro texto de comiseração, choro, beiço trêmulo e reflexões de "luto e dor". Então, não perca tempo: salve a humanidade inteira, mas não esqueça de deixar o seu mendigo na penumbra. Se ele estivesse em um abrigo, isso não teria acontecido; mas não é confortável pagar a sua internet? Ou dar de comer a seus parentes? Sim, você é culpado, por inteiro. Aliás, é característica do sulista chorar todas as manhãs pela miséria na porta de sua casa enquanto toma cappuccino e condena o lucro do padeiro.
ResponderExcluirCara, mundo estranho e terrível o nosso... coisas como esse assassinato brutal acontecendo à nossa frente, e comentários como o do anônimo postados na nossa cara... nem um, nem outro trazem a necessária mudança... o que trará?
ResponderExcluirMundo doido mesmo. Se eu descobrir esse lance da mudança te aviso, meu amigo.
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