– Papai, o que é advento? - perguntou a criança olhando pras velas enfeitadas na mesa de centro. O pai olhou pras velas e pro guri por uns segundos antes de de fazer o convite:
– Venha aqui filho, que vou te contar uma história - e entregou pro menino uma caixa de fósforo para ascender as velas.
– Advento é a espera pelo nascimento do amor - o menino torceu o nariz, achando aquilo estranho.
– É isso mesmo - continuou o pai - a espera ansiosa pelo o dia em que o amor perfeito nasceria entre nós. Mas essa história começa muito antes, antes do início de tudo, quando o Deus que ama resolveu criar o mundo por amor, para amar. E pra fazer isso de verdade mesmo, ele teve que criar alguém como ele, à sua imagem e semelhança, com consciência, com capacidade de distinguir bem e mal, e de escolher... o mal - e o menino quase queimou o dedo, parado, olhando assustado para o pai, que havia feito uma pausa, mas continuou:
– E Deus sabia que no dia que essa criatura percebesse ser semelhante a Deus ela diria: 'não quero mais você comigo, eu posso ser como você e não preciso mais de você do meu lado, vou me virar sozinho', e iria virar as costas pra ele, desprezando o criador. E porque sabia disso, esse Deus pensou: 'eu vou até lá. Não vou só criar um mundo, vou até lá dentro, fazer parte da criação, ser um deles e mostrar pra eles o que é o amor'. E quando ele criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança - humanidade os fez - sussurrou no ouvido deles essa ideia maluca de redenção: que ele um dia viria habitar entre nós pra nos salvar de nossas escolhas - o menino já havia deixado as velas de lado e agora riscava palitos um atrás do outro.
– E é por isso que desde sempre, em todos os povos, em todas as culturas, em todo lugar e em todo tempo, onde houve humanidade houve esperança de redenção. Entre as confusões, as mitologias, as guerras, as disputas, as crenças, os deuses, as intrigas, os medos, havia sempre essa história maior, mais profunda e mais sagrada que todas as outras, contada nas noites escuras em volta da chama acesa de uma fogueira ou de um lampião, - ou de velas, completou o menino, ascendendo o vigésimo palito - e sonhada nas horas de trevas profundas, na solidão, entre dor e lágrimas: o Deus que tudo fez viria até nós e nos salvaria das nossas escolhas - três velas estavam acesas, ainda faltava a última.
– E isso, essa esperança, esse pulsar pela redenção, fez parte de toda cultura de cada ajuntamento humano até o dia em que uma nova e mais extraordinária história passou a circular de boca em boca por todos os cantos. Uma história incrível e maravilhosa. Ele veio, é que andavam dizendo por aí, cheios de convicção. Deus veio. Deus se fez presente entre nós, como nós. Deus menino, Deus homem, Deus gente. Não era mais um mito, não era mais um sonho, tinha encarnado, virado realidade, virado verdade na poeira da história, na loucura do tempo e do espaço, em um determinado momento, em um determinado lugar. O Rei e salvador veio. Nasceu numa cidadezinha esquecida num canto da Palestina. Numa estrebaria. Numa manjedoura. Será? Era ele mesmo? E as histórias pipocavam: reis magos, pastores, anjos, milagres, curas, mas acima de tudo, mais estranho que tudo, mais incrível que tudo, perdão, cuidado, afeto, toque, olhar, abraço, acolhimento, amor... entre os pobres, entre os párias, entre os doentes, entre os oprimidos, entre os esquecidos, entre os excluídos: “Terra de Zebulom e terra de Naftali" - dizia a profecia - "caminho do mar, além do Jordão, Galiléia dos gentios! O povo que jazia nas trevas viu uma grande luz; e aos que estavam detidos na região e sombra da morte, a luz raiou” (Mt 4.16).
– E onde é que ele está - cada um que ouvia perguntava - o que aconteceu? Onde foi parar? E a resposta que corria o mundo era terrível: havia sido morto, assassinado. Mas que loucura, então já era, toda a esperança se foi? Pior que não, o que diziam era que ele tinha ressuscitado, vivido de novo: 'eu venci a morte pra mostrar pra vocês que o verdadeiro amor sempre vence, só o amor vence, só a vitória do amor é vitória, só o caminho do amor vale à pena' - é o que teria dito o salvador. 'Vocês não precisam mais temer, se amedrontar, se esconder, fugir, porque vocês têm acesso a um novo Reino, que está aí, do lado de cada um , ao alcance de cada um, bastando entregar-se a ele. Cada um pode desfrutar dele aqui, agora, já - o Reino do amor'. Então, aquele que havia sido traído, abandonado desde o princípio de tudo, não exigia sangue, não exigia vingança, não exigia sacrifício. Ao contrário, se fazia sacrifício por nós pra anular toda culpa e inaugurar o Reino do Amor, onde o ar que se respira é perdão e graça. E a quem perguntava, ponderando sobre o caos que ainda está por aí, o horror, as trevas, a dor, o desespero, a morte que ainda nos cercam, que raio de Reino é esse, se dizia que esse Reino é de uma outra categoria, é o Reino de dentro, reino do interior, reino do coração, que transforma de dentro pra fora. É lá que ele quer reinar, lutar, salvar, transformar, colocar vida, alegria, amor. É do lado de dentro. É esse reino interior que ele quer transformar. Por isso o advento segue sendo tão atual. Por isso a chama continua acesa, a esperança ainda anda com a gente, - o pai tinha aproximado a boca do rosto do filho e sussurrava pra ele, que acendia o último fósforo - porque esse Reino precisa acontecer sempre dentro de cada um de nós, dia após dia, geração após geração - e com o último fósforo, o pai conduziu a mão do menino que acendeu a última vela.
Imagem:
The Adoration of the Shepherds
Sebastiano Conca 1720
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