17 de julho de 2007

A águia e o desfiladeiro

Estou em pé à beira de um desfiladeiro escarpado, uma ravina cujo curso d'água entalha um longo declive através da rocha para desaguar no mar Morto. O mar salgado. Não estou longe o bastante do mar de modo a não poder ver suas águas à minha direita. Um vento forte sopra no sentido norte-sul pela garganta que abre-se para o mar, levando falanges de ondas a erguerem-se juntas, encrespando-se em topos de espuma branca. Elas arrebentam em triunfo e em derrota.

Já é quase noite.

Passei a manhã entre a comunidade dos essênios, cujos membros vivem isolados em cavernas, galerias subterrâneas e tendas no deserto. No entanto, reúnem-se numa grande construção para estudar e escrever, e sempre comem juntos, declarando que suas refeições representam e celebram um novo mundo que está por vir. Vi as mesas nas quais eles escrevem, vi os tinteiros e as vasilhas de barro nas quais guardam seus pergaminhos. Vi suas rodas de oleiro, seus fornos e a cerâmica produzida neles. Eles trazem água do riacho da ravina, tanto para beberem quanto se lavarem, e conservam-na em tanques. Banham-se muitas vezes, e batizam visando à pureza de seus membros.

Ouvi os ensinos deles, particularmente sobre sua expectativa do fim, quando será demonstrado que eles são o verdadeiro Israel, e os falsos profetas e traficantes de poder serão denunciados e descartados.

Prossegui em seguida para este lugar, à beira de uma garganta escarpada. Gastei metade da tarde com a testa franzida, imerso em minhas próprias meditações vazias. Não penso em nada. Não sou capaz de examinar coisa alguma no coração. Meu coração está vazio, causando-me pesar, levando-me a respirar com algo semelhante ao pânico.

De repente, porém, ali — à minha direita, à distância e no ponto onde a ravina desemboca na margem do grande mar salgado, voando nesta direção, entre as paredes do desfiladeiro, ascendendo cada vez mais em relação ao fundo e enchendo a ravina com o som de seu próprio vento, o vento do bater de suas grandes asas — vem uma águia.

Estou em pé alinhado com sua longa trajetória. Observo sua magnífica ascensão e minha respiração fica mais pesada: ela está vindo exatamente em minha direção! Vejo o movimento de seu vôo, o modo como ela rema o próprio vento; suas asas estendem-se para a frente e baixam para trás, e seu pescoço projeta-se ligeiramente para frente a cada remada, há extraordinária força em seu peito e seus ombros, e seu bico encurvado é sua terrível ameaça.

Então, num instante, ela está a apenas três metros na minha frente, passando por mim exatamente no nível em que estou; e embora ela não vire a cabeça, com apenas um olho — amarelo, fixo, aguçado por uma fronte ossuda — me vê. A águia olha para mim. Ela não pára de voar. Parece, no entanto, que esse momento simplesmente não tem fim, fico sem ar, e no olho da águia estão o sol, o céu e toda a criação, e Deus em seu centro negro e imóvel, na pupila do olho da águia. Estão todos olhando diretamente para mim. Não sou mais um segredo na face da terra, um homem esgueirando-se de um lugar para o outro sem que ninguém o perceba. Sou conhecido! O céu e a terra me conhecem! Em seu olho vejo que a águia deve saber meu nome e irá dentro de um instante gritá-lo pelo bico entreaberto, e isso me apavora — pois ignoro se meu nome será gritado em julgamento ou em bênção. E que será meu nome quando ressoar nos quatro cantos da terra? Percebo então que a águia seguiu voando, ganhando cada vez mais altura à minha esquerda, em direção ao horizonte do anoitecer e para dentro do sol agonizante, onde parece queimar como fogo dourado e transformar-se em bronze.

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Do romance
O Livro de Jesus
de Walter Wangerin
Prólogo

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