3 de junho de 2008

A neurose do crescimento [2]

Só sob tortura.


Alguns podem argumentar que, se a igreja do novo testamento não construía templos, não organizava eventos, não engordava, mas espalhava-se em pequenos grupos reunidos espontaneamente nas casas dos cristãos, isso era simplesmente porque ela era perseguida. Não é possível agrupar-se em tempos de perseguição. Sem perseguição a tendência natural é o agrupamento.

Exato!

Mas é exatamente contra isso que devemos lutar. Contra a tendência natural! Porque assim como tendemos para o agrupamento, tendemos para a passividade e para o conformismo. Aliás, o agrupamento, tal como o praticamos hoje, redunda em passividade. O atual modelo eclesiástico é baseado em formas e liturgias que perpetuam o distancioamento entro o "clero" e os "leigos". Isso faz com que o rebanho permaneçam dependente, alienado, incapaz de caminhar pelas próprias pernas e preso a eternas picuinhas e autocomiseração. O leigo não é nada mais do que um observador passivo da produção do clero e de sua dedicada liderança, ainda que as pregações falem o contrário. E a passividade mantém todos como bebês, tornando pastores e líderes reféns das eternas criancices do povo, e muitos passam toda uma vida de ministério dedicado limpando nádegas alheias, colando band-aids e dando beijinhos em arranhões dos bebês que não querem crescer. O resultado de tudo isso é que a igreja passa a oferecer cada vez mais entretenimento barato, papinha e mamadeira, para manter seus fiéis.


É certo que, em muitos casos, a motivação é boa. Tem-se medo de que algumas “almas ganhas” desviem-se da fé, percam a salvação e vão para o inferno. Tem-se também, é óbvio, medo de baixar as entradas e não conseguir pagar as contas que mantém viva toda a estrutura construída com o suor de tantos. Mas é bem possível que vá chegar o tempo em que as estruturas se tornarão mausoléus do passado "glorioso", assim como vemos hoje na Europa pós-cristã. A sociedade caminha para uma introspecção e individualismo cada vez maiores. As formas de tocar as pessoas serão cada vez mais pessoais. Grandes estruturas tendem a perder credibilidade e esvaziar-se.


Diante dessa realidade e das perspectivas para o futuro, a igreja precisa repensar seriamente sua estrutura básica e sua forma de crescer. A única forma de crescer com saúde, de crescer fazendo com que os membros cresçam juntos, tornem-se adultos, caminhem com as próprias pernas da fé, livres do colo do pastor, é crescer diminuindo. Precisamos ampliar desinchando. Conquistar abrindo mão. A igreja deve migrar para as casas, para pequenos grupos informais, dispersos, diluídos, ‘dessacralizados’. O dinheiro levantado entre os crentes livremente, de coração aberto e generoso, sem cobrança, sem percentual definido, deve ser destinado à promoção da vida e da saúde. Deve ser distribuído entre os necessitados e usado para sustentar creches e orfanatos, e não mais para manter funcionando escritórios, ar-condicionados, impostos e salários de estruturas inchadas e fantasmas, de pouca utilidade prática para a sociedade ao redor.

Mas é possível que jamais tenhamos coragem para tanto. Especialmente porque isso pede de cada cristão muito mais do que nós mesmo estamos dispostos a dar. É talvez por isso que todo avivamento é precedido de severa perseguição. Porque só sob tortura somos capazes de abandonar nossas igrejas vicárias.

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