22 de outubro de 2009

Facada

Puxou a faca. Sob ameaça de morte, percebendo que não lhe restava nenhuma saída que não fosse o motim, empunhou a lâmina delgada. O momento não lhe permitia reação que não fosse essa ou entregar-se à morte. Chegou a pensar em render-se, mas intuiu que a rendição significaria não sua derrota mas a falência de seu sonho. Naquele instante, abatido, acuado, poderia abrir mão da vida. Seu sonho, no entanto, parecia-lhe maior que ele mesmo. Parecia, ele sim, ser bom motivo para a luta.

Espadas, lanças e adagas apontavam com convicção para seu peito. A pequena faca não oferecia a menor possibilidade de vitória. A situação era tão absurda que a mente descolou-se da lógica e do bom senso. Flutuou acima do óbvio e lançou-se às pontas afiadas.

Deitado no chão duro, observou o grupo se distanciando vitorioso. Alguns limpavam o sangue das lâminas enquanto outros as arrastavam no solo, riscando a terra com ruído metálico, e caminhavam de ombros caídos rumo aos portões. Retornariam à segurança das altas muradas que os mantinham distantes do sol e do vento. Deixado aos abutres, no entanto, ainda viu os olhares fixos de espanto e confusão de alguns do povo na entrada da cidade. Não fitavam os vencedores, nem os recebiam com entusiasmo; esses simplesmente passaram esbarrando na multidão rumo ao castelo no centro da fortaleza. Ofegante, quase morto, percebeu que o pequeno grupo de aldeões permaneceu olhando estarrecido o breu de seus olhos semicerrados. E sorriu.

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