A encarnação de Deus possui um outro viés além do esvaziamento e, portanto, fragilização do todo-poderoso. Deus nascido gente, Deus bebê, com a fralda cheia, Deus adolescente desengonçado, repleto de hormônios e espinhas, Deus chorando e sofrendo, rindo e dançando, comendo e bebendo, irado, com sono, cansado e suado, Deus com gases, é a absoluta e inegável redenção do corpo.
De forma diametralmente oposta a mentalidade herdada dos gregos, que considera o corpo vulgar, um constrangimento que a alma é obrigada a suportar, Deus opta por possuir um corpo humano, voluntariamente lambuza-se na carne, elevando o corpo à condição de sagrado. Deus, fazendo-se homem, fez dos homens deuses. Fomos irremediavelmente contaminados pelo santo, não somente em nossos sentimentos, em nossa alma, em nossas virtudes, mas no corpo, na pele, no pêlo, na saliva.
Por isso a salvação, em Cristo, não é mais destinada tão somente a almas, mas a corpos. Por isso, na lógica de Jesus, abraçar os que têm fome, sede e frio, os que estão presos, esquecidos ou sozinhos, é como abraçar a Deus. Por isso beber e dançar numa festa de casamento é como festejar com Deus.
Enquanto a religião negar a carne e seguir correndo atrás de almas, enquanto o corpo continuar sendo um constrangimento dentro dos templos, enquanto toda noção de prioridade e de urgência ‘evangelística’ da igreja seguir sendo o céu, a encarnação de Cristo seguirá sendo um conceito a espera de ser praticado. E é natural que seja assim, porque toda religião anda de mãos dadas com o poder e é, portanto, absolutamente incompatível com qualquer proposta prática de fragilização.
É preciso, a todo custo, manter o cetro em punho.
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Quanto mais sagrado formos, mais longe de Deus estaremos... estar perto dEle significa pisar no barro, sujar as mãos de graxa, molhar o rosto de suor e lágrimas.
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