Não terá sido pouco, e você sabe disso melhor do que ninguém, o esforço empreendido. Vale lembrar que desde o início houve forte oposição de quase todos, o que, num apanhado geral retroativo, pode ter cooperado para o bem. No entanto, mesmo na condição atual, tendo alcançado o ponto mais distante da caminhada prevista e sabendo que nada mais há de se fazer adiante (parecendo óbvio, portanto, que o retorno é o próximo passo), creio ter deixado evidente pelo conteúdo das últimas cartas, que optei pela insensatez de seguir adiante.
É claro que daqui para frente o acesso à internet será absolutamente impossível, como já tem sido nos últimos meses, e lamento muito dizer que já não terei condições de enviar-lhe carta, nem recado de qualquer tipo. A civilização encerra-se completamente e dela não haverá vestigios a partir do próximo passo. Espero sinceramente trazê-la comigo em lembranças, mas tamanho é o vazio do horizonte que se apresenta que já não sei nem se memórias serão possíveis amanhã. Por isso procuro por todas elas agora, e me dói um bocado perceber que quase já não as encontro, pelo menos não na superfície investigável da consciência.
Recordações são tímidas e tentam sempre esconder-se quando vamos atrás delas. Preferem surgir espontaneamente quando já nos dedicamos a pensamentos diversos, e é nisso que deposito minhas esperanças.
Olhando para trás, afirmo sem dúvida nenhuma que o pior que me aconteceu no trajeto todo até aqui foi terem me roubado a mochila pequena, onde trazia uma foto sua. Apavora-me perder para sempre seu rosto, ainda mais aquele, com os olhos distraídos, a boca num quase riso e a mão delicada apoiando o queixo.
Temo agora que, escrevendo mais, vacile na decisão de ir. A mochila está pronta. O menino que vai levar a carta está impaciente. Me despeço abaixo, e sigo adiante.
Beijos. L.
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