7 de julho de 2011
Ratos
Nada afasta de mim a convicção de que o homem era muito mais homem antes de inventarem o controle remoto e o ar-condicionado. Fomos criados para o desconforto.
O luxo, a sofisticação, a tecnologia, os sofás, as almofadas, os carros, as poltronas anatômicas, o isolamento térmico e acústico, a tintura para cabelo e a escada rolante são elementos importantíssimos na metamorfose terrível que nos transformou em ratos.
Haverá de chegar o dia em que, olhando para o espelho, perceberemos os pelos grossos e duros que tomaram conta de nosso corpo e nos assustaremos com a cauda pelada balançando atrás de nós enquanto corremos pelos cantos escuros e levamos a vida enfurnados em nossos buraquinhos climatizados.
Nesse dia teremos uma lembrança vaga e embaçada de que o homem um dia sentiu calor insuportável, e suou até exalar o cheiro forte de gente. Que houve também o frio e a pele rachada pelo ar seco. Que se ia a muitos lugares à pé. Que se dormia no chão ou no colchão de palha de uma hospedaria de madeira velha e se acordava com a orelha cheia de pó de cupim. E que distâncias longas demais eram cobertas em carros com manivelas para abrir o vidro, ou ainda no lombo de cavalos ou mulas e que as pernas assavam e o suor do animal se misturava com o nosso.
Haveremos de lembrar que os cabelos das mulheres tornavam-se brancos, sua pele enrugava e os seios cansavam-se de manter a pose e elas eram lindas assim.
Lembraremos que as crianças corriam soltas pelas ruas, rolavam na grama e na lama, tinham várias cicatrizes e marcas de todas as cores nas pernas e joelhos e cotovelos.
Mas estaremos tão acostumados com o conforto absurdo que nos cerca que tudo nos parecerá pura fantasia. E mesmo que sejamos avisados que nossos confortos estão nos matando de câncer ou dando um fim em todas as abelhas do planeta (e, consequentemente, em todo ecosistema), não abriremos mão de nada.
Até o dia em que tudo será arrancado de nós.
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Como diria o homem do subsolo de que Dostoievski nos deu testemunho: "que bela evolução!"
ResponderExcluirProvocante !!! Vivemos um colapso disfarçado de domínio ... somos lobos ... e mais ... mto mais ...
ResponderExcluirSem dúvida, estamos vivendo esse conflito sem saber qual opção escolher. Provavelmente nossa raça seguirá adiante com isso, só parando quando for obrigado a fazê-lo, seja como for.
ResponderExcluirAlgum dia o homem já tomou alguma decisão correta que não tenha sido por força das circunstâncias???? Só quando não há mais jeito, optamos pelo caminho sábio. Enquanto houver brecha, vamos nos fudendo mesmo (sorry).
ResponderExcluirÉramos mais fortes, mais saudáveis, mais inteligentes!
ResponderExcluirLembrei de Richard Foster e seu livro "Celebração da disciplina" em que ele elenca a disciplina da simplicidade como uma das disciplinas espirituais que torna-se meio de graça para nós.
ResponderExcluir*que se torna
ResponderExcluirÉ dureza mesmo, rapaziada. O Foster depois lançou "Celebração da Simplicidade", onde amplia a ideia abordada no livro anterior.
ResponderExcluirSó não concordo com a premissa de que fomos criados para o desconforto. Creio que o homem em seu estado original foi criado para viver em harmonia com a natureza e seu criador, num paraíso muito melhor que nossas residencias climatizadas.Aquilo sim era conforto. O fato é que essa harmonia foi quebrada a muito tempo. Por isso todos nós, incluindo a natureza, gememos até ter seu estado original restaurado. Recomendo uma reflexão sobre o filme "Na natureza selvagem" que aborda mais ou menos essas questões.
ResponderExcluirAbraço
É isso aí Rafael. A questão é a definição de conforto.
ExcluirO rapaz do Na Natureza Selvagem sem dúvida, do ponto de vista comum, abriu mão de uma infinidade de confortos dos quais dispomos e encontrou uma infinidade de outros dos quais abrimos mão. No final ele percebe que não deveria é ter deixado para trás o maior dos confortos, talvez o único - a presença de um outro com quem possamos comungar o que quer que seja.
A frase poderia ser "fomos criados para um outro tipo de conforto que os luxos da tecnologia não têm como oferecer"... e aí seguir por essa linha tentando explicando tudo. Mas sou conciso demais. É essa preguiça que me mata! :P