23 de agosto de 2011

Escarpas da nova divisa

Hoje completam 7 anos desde que o sol deu as caras pela última vez. Ou quase isso. Sete anos de garoa embaralham o passar dos dias. Não duvido que tenha me atrapalhado na contagem. Sei que estávamos com um grupo pronto, preparado pra inicar a jornada rumo ao norte atrás dos raios amarelos e quentes que povoam nossos sonhos. Mas a chegada desse mensageiro e os relatos que me trouxe obrigam-me a adiar a partida.

O que agora relato à vocês, meus companheiros de musgo e garoa, é que a linha divisória desse fenômeno terrível que assola nossa terra é a nova serra que se formou e corta o país de leste a oeste, nascendo no antigo Vale do Paraíba, litoral norte paulista, até o município de Umuarama, no norte do Paraná. Do Rio Grande até ali, é só garoa, mofo e bolor. Dali pra frente, o sol só se esconde no fim da tarde, atrás do horizonte no extremo oeste, mas ressurge no leste sempre coroado de céu azul intenso.

A notícia que recebi atesta que levas de peregrinos têm chegado à região da divisa diariamente, desesperados pelo sol. A muralha gigantesca que separa os separa dos raios luminosos é como a foice da morte ceifando vidas à granel.

O sujeito que vocês me trouxeram ontem e que dizia ter algo a me entregar foi um dos poucos afortunados que conseguiu cruzar as escarpas ígremes da morte de um lado para outro. É um enviado do meu amigo Romildo, de Manaus, que têm ouvido falar da nossa angústia e, entre uma pirapitinga, um matrinxã e um tucunaré, à beira do Rio Negro, teve piedade de nós e enviou-nos esse mensageiro fiel e corajoso, que pela graça de Deus seguiu seu caminho firme até nos encontrar aqui, ilhados nesse vale hidrófilo, nessa esponja submersa, nesse paraíso do bolor.

Com seu relato nossas esperanças crescem. Agora sabemos o que nos espera e podemos nos preparar para o que enfrentaremos. Dou graças aos céus pelos anos de montanhismo e escalada que vivi na juventude, e por ter meus equipamentos guardados no sótão de casa. Já tirei-os  de lá esta manhã e começo agora a raspar o bolor que os envolve. Deixem os mantimentos prontos e vão em busca de toda corda que puderem encontrar, visto que as minhas estão bastante apodrecidas por essa umidade maldita. E vamor torcer para que não arrebentem nos momentos críticos.

Semana que vem partiremos e haveremos de transpor as escarpas da grande serra da nova divisa. E o sol estará do lado de lá para nos receber. E será amarelo, quente e seco. Mal posso esperar.

Um comentário:

  1. Bah! Acho que o céu rasgou um pouquinho aqui pela janela, um azul acenou lá de cima e um raio amarelouro se jogou cá pra baixou depois ler isso aqui. Eu vi. E vou levar comigo pra alumiar esses dias de mofo e pés molhados.

    ResponderExcluir