4 de agosto de 2011

Reconsiderar a riqueza

Na maioria das questões que estiveram no centro dos debates públicos nestes últimos meses, da vaca louca ao Erika, do amianto aos acidentes de trânsito, das conseqüências da grande tempestade ocorrida em dezembro de 1999 à crise dos combustíveis do outono de 2000, há sempre um elemento comum que curiosamente esquecemos de lembrar: essas catástrofes são verdadeiras bênçãos para nosso produto interno bruto. Esta cifra mágica, cuja progressão se expressa por uma palavra, que resume por si só a grande ambição de nossas sociedades materialmente desenvolvidas e etnicamente subdesenvolvidas: o crescimento! (…)

Supondo que no próximo ano não tivéssemos nenhum acidente material ou corporal, nem mortos e feridos nas estradas francesas nosso PIB diminuiria de maneira significativa e a França perderia uma ou várias posições na classificação das potências econômicas e veríamos muitos economistas nos anunciando com um tom de voz grave que a crise estava de volta. (…)

Ao mesmo tempo, todas as atividades voluntárias que graças, em particular, às associações criadas de acordo com a lei de 1901, cujo centenário estamos prestes a festejar, permitiram evitar ou limitar uma parte dos efeitos dessas catástrofes, por exemplo, indo limpar as praias poluídas ou ajudando gratuitamente aos deficientes, não acarretaram nenhuma progressão de riqueza e até contribuíram para fazer baixar o produto interno bruto, já que essas associações desenvolvem atividades voluntárias e não atividades remuneradas. (…)

Devemos examinar esses nossos curiosos termômetros quanto mais as suas graduações, as unidades monetárias, vão mudando cotidianamente. De fato, se sabe que a primeira função da moeda é a de ser uma unidade: quando se quis superar o intercâmbio sob forma de troca para poder comercializar os bens mais facilmente, entendeu-se ser útil adotar uma unidade contábil única no seio de uma coletividade registrando-se todos os valores nessa unidade. (…) Mas, justamente, imagine-se a confusão que introduziria uma ‘bolsa dos quilos e dos metros’ mudando de valor todos os dias! (…)

É próprio dos sistemas de dominação apresentar como evidências o que depende de construções e de escolhas. Acaba-se apresentando como uma lei natural o fato de que são as empresas que produzem a riqueza, enquanto os serviços públicos e sociais subtraem-na; que atividades reconhecidamente destrutivas, dão direito a ganhar dinheiro, enquanto que outras, vitais para a coletividade humana - como dar a vida, educar, preservar o meio ambiente - não o permitem; que alguns possam dispor de quantidades consideráveis de moedas, sem que isso tenha relação com seu esforço ou mérito, enquanto outros se encontram, no meio da abundância, em situações de miséria ou de grande pobreza. (…)


Trecho do relatório produzido em 2001 por Patrick Viveret e resultou no livro Reconsiderar a Riqueza que, segundo Allysson Amorim, 'é aquela espécie de livro cuja leitura deveria ser obrigatória'.

3 comentários:

  1. Parece bem interessante o livro.

    Já tem gente que propõe substituir medição do PIB por medição de FIB (Felicidade Interna Bruta).

    E isso é bem mais que piada inocente. O conceito de desenvolvimento é bem maior que o conceito de crescimento, por que é bem fácil de perceber que uma série de coisas que melhoram a vida de todo mundo redundam em diminuição do produto medido em valores monetários.

    O crescimento tem gerado também aumento insustentável de preço de imóveis (no Brasil, por exemplo, moradia digna fica cada vez mais difícil de pagar) e de alimentos (que explica o aumento exponencial da fome no mundo nos anos de maior crescimento econômico recente).

    Um dia vamos ter que organizar uma revolta generalizada contra esse dialeto economiquês que paralisou nossa imaginação política.

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  2. Uma hora ou outra, com ou sem revolta generalizada, a coisa implode.

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  3. Espero que uma reação efetiva a esse tipo de "dialeto economiquês" com suas consequências nefastas, não venha tarde demais. Mas veja: não tenho muita confiança.

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