14 de janeiro de 2025

Cerro Castillo - Patagônia chilena

Fiz uma peregrinação a um templo sagrado. Um que foi erguido há 65 milhões de anos diretamente pelas mãos de Deus. O chamam Cerro Castillo (Monte Castelo), mas para mim era um templo, o maior e mais majestoso já construído.

Os peregrinos que iam chegando depois de horas de caminhada, quando concluíam o último trecho, faziam a última curva e davam de cara com a indescritível imensidão do Castillo, fossem cristãos, ateus, agnósticos, muçulmanos, candomblecistas, fossem o que fossem ou não fossem, tivessem ou não qualquer tipo de fé, paravam, estáticos, boca entreaberta, ombros prostrados em adoração, muitos, como eu, com os olhos cheios de lágrima e, em silêncio reverente, caminhavam lentos até onde pudessem sentar e ali ficavam, estarrecidos diante do altar.

Deus, que prefere se revelar nos pequeninos, nos enfraquecidos, fragilizados, empobrecidos, nos que não tem o que comer ou vestir, nos que não tem onde reclinar a cabeça, ali decidiu revelar-se em toda a sua glória e majestade.

O cenário todo era espiritual. O altar do templo era imensidão de neve, glaciares, tortuosas corredeiras de degelo e rochas em tamanhos e ângulos impossíveis. A abóbada era o azul celeste infinito e o piso uma lagoa verde esmeralda salpicada de centenas de milhares de pontos de luz piscante como um céu absurdamente estrelado em plena luz do dia.

Um condor solitário e sublime cruzou o céu entre nós e a montanha naquele exato instante, surgindo não sei de onde e encenando uma dança de louvor ao Eterno.

Não havia nada a ser dito. Nenhum salmo, nenhum hino, nenhuma oração. Diante da presença do criador, o silêncio e as lágrimas sutis eram a única forma possível e inevitável da adoração.

Mas nós tínhamos que descer. Teríamos ainda horas de trilha pela frente. Quando virei as costas para a montanha e dei os primeiros passos, tive a impressão de ouvir o coro de dez mil anjos, cordas e metais entoando hosanas. Talvez fosse só o barulho do vento. Ou a presença pulsante de Deus, que descia a montanha em mim.

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A descrição do Cerro Castillo como templo foi uma tentativa de dizer um pouco do que verdadeiramente senti quando estive lá. Mas foi só um lado da história. Naquela descrição omiti algo que quero agora mencionar.

Diante de toda aquela beleza indizível senti também horror e desespero. Entre as lágrimas de louvor e gratidão escorriam também algumas de profunda angústia. Porque diante de mim havia um glaciar que vinha encolhendo ano após ano graças ao aquecimento global provocado por uma espécie específica de mamíferos.

Todas as grandes transformações do nosso planeta foram provocadas por catástrofes naturais. Até hoje. Estamos agora diante de uma tragédia aceleradamente provocada por nós mesmos.

Nós que, feitos à imagem e semelhança do criador, criamos arte, poesia, música, culturas incríveis, vastidão de conhecimento. Nós que criamos medicina e medicamentos e vacinas e salvamos centenas de milhares de vidas. Nós que praticamos atos de bondade gratuita, que produzimos justiça, inventamos democracia, agimos de forma altruísta em atos heróicos de bravura e graça, também nos entregamos à estupidez, idiotice, ganância, egoísmo e pusemos tudo a perder. Nos jogamos ensandecidos em uma cruzada de destruição e morte e autoflagelo e autofagia e extermínio mútuo e de tudo mais.

Nós, que diante do altar entoamos louvores, nos lançamos às colunas do templo e as destruímos em troca de miudezas, e agora o templo todo desaba sobre nossas cabeças.

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