14 de dezembro de 2006

Liberdade devocional

Foi só bem recentemente que descobri uma nova e redentora forma de encarar minhas ‘devocionais’. Sendo crente de berço, passei a vida tentando manter uma disciplina de devoção particular diária à Deus. Não creio que, mesmo nos momentos mais fervorosos, tenha conseguido manter minha humilde disciplina por mais do que algumas semanas.

Foram três pensamentos distintos que me fizeram encarar a devoção sobre essa nova perspectiva.

Pensamento 1 - contexto
Muitas vezes já tinha ouvido a famosa frase “texto fora do contexto é pretexto”. Entendia até certo ponto suas implicações. Para entender melhor um versículo, deveria ler todo capítulo. Quem sabe uns capítulos antes e uns depois. E quem sabe ainda acompanhar as notas no rodapé da minha bíblia. E isso deveria ser suficiente.

Um dia li num livro do John Stott a aterradora e óbvia observação – quanto mais amplo o contexto, mais precisa a compreensão do texto. Foi somente sob a luz dessas palavras que me dei conta do ululante. Pra entender melhor um trecho da bíblia, tenho que ler tudo. Tenho que enteder primeiro tudo, para só depois me aventurar pelos detalhes. Conhecer o Espírito por trás da palavra, antes de esmiuçar as palavras do Espírito.

Pensamento 2 – tempo
Pois bem. O primeiro pensamento é aterrador. Demora muito ler tudo. Demora ainda muito mais entender tudo. Talvez toda uma eternidade. E eu não tenho tempo... ou tenho? A questão do tempo é essencial. Porque a base da leitura bíblica que eu fiz toda minha vida tinha uma relação estreita com a urgência do tempo. Eu deveria ler a cada dia uma pequena dose da palavra, e essa dose deveria me dar energia suficiente para suportar até a próxima dose. É a síndrome da caixa de promessas. O efeito tem que ser rápido, senão não vale o esforço.

Texto revelador sobre o assunto encontrei no site bacia das almas. A caminhada com Cristo não é, definitivamente, assunto para se tratar apressadamente. É uma caminhada para toda vida, que leva a vida toda.

Em tempos mais sãos do que o nosso um homem começava a sentir nostalgia quando estava avançado na terceira idade, entrevendo já a última curva da vida. Hoje em dia a nostalgia é motivo de ansiedade para todos, democraticamente; até mesmo os adolescentes, garantem-me, tem já saudades sentidas e irresistíveis dos tempos idos da infância.

Tendo passado a encarar o tempo de uma nova forma, libertei-me da síndrome da caixa de promessas, e pude me ocupar de um terceiro pensamento.

Pensamento 3 – liberdade
Sim. Foi pra liberdade que Cristo me libertou. Não sou prisioneiro da disciplina. A falta não me é imputado como pecado. Posso passar dias a fio sem abrir a bíblia para ler, sem que isso afete em nada meu relacionamento com o Pai. Porque antes, a seqüência de dias sem a ‘santa devocional’ me pesava como o adultério. Com que cara de pau eu poderia orar, ou ler, ou louvar? Pecador miserável que era, certamente seria considerado indigno da presença de Deus.

E não é que era indigno mesmo? E ainda sou? E nada posso fazer para não sê-lo? Essas conclusões devo, principalmente, à dupla Philipp Yancey e Brennan Mannig, e seus respectivos livros Maravilhosa Graça e Evangelho Maltrapilho. Conclusões libertadoras, que me tiraram muito peso das costas e me fizeram voltar à casa do Pai sabendo que seria aceito.

Resultado - prazer
A soma desses três fatores ocasionou a grande transformação. Passei a ler a bíblia como se ela fosse um livro. Que absurdo! Mais do que isso. Me imagino como um cidadão de Tessalônica, recebendo uma carta de um irmão querido, amado e respeitado. Sim. Uma carta para mim. Como é saboroso lê-la assim. Leio rápido. Com atenção, com cuidado, mas ansioso por acabar a carta toda. Leio várias e várias páginas, sem preucupação em extrair algo de maravilhoso em cada pequeno versículo. O que me prende é o conteúdo todo. E leio assim cada livro.

Mas leio quando posso. Porque alguns dias estou cansado, outros cheio de compromissos, e outros ainda, um pouquinho preguiçoso. Mas quando posso, abro prazeirosamente a palavra, ansioso e sedento, sabendo que não estou mais em falta do que se tivesse lido religiosamente um capítulo por dia. E vejam só - pacientemente, sem pressa e sem o peso da obrigação religiosa, leio hoje a bíblia muito mais do que já li em qualquer época da minha vida. E, finalmente, sinto aquele prazer que os pastores diziam que eu deveria sentir na minha devocional religiosa, mas que nunca havia experimentado.

Para mim foi libertador.

5 comentários:

  1. Anônimo5:11 PM

    Muito bacana. E muito libertador, sem dúvida!

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  2. Que emoção! O primeiro comentário do meu bloguinho. Estou emocionado!!!

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  3. Anônimo4:20 PM

    Olha o blog do Tuco! Curti seu texto, rapaz! Você escreve bem e gostoso de ler.

    Como você sabe nossas histórias são parecidas. Também devo a Yancey, Manning e outros menos conhecidos que me libertaram para desidolatrar a Bíblia de modo a encontrar, surpreso, Deus nela.

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  4. Valeu anônimo. Eu sei quem você é. E vc também me ajudou, junto com o Yancey, Manning e outros.

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  5. Ué, e eu que nem anônimo queria ser, consegui finalmente.

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