Ramon dormia na praça. Saído do cerrado em busca de grama verde, terminou no asfalto.
Estava ali há uma semana, agarrado sempre a uma garrafa de cachaça, sob o olhar cortante e o dedo em riste da estátua de pedra. Numa noite gelada, três meninos apareceram ali compartilhando um cachimbo improvisado em lata de coca-cola. Era madrugada e já chegaram chapados. Mijaram na estátua e em Ramon, que dormia em seus pés de mármore, e saíram gargalhando até o banco logo em frente. Dali ameaçaram e xingaram o homem, mostrando seus canivetes, enquanto ele ia resignado até o chafariz lavar-se. A água gelada doía nas mãos. Depois de limpo, caminhou pelas ruas procurando algum toco de cigarro que pudesse lhe dar uma mínima sensação de conforto.
Quando chegou novamente à praça, com algumas bitucas na mão, os meninos já estavam dormindo diretamente sobre o chão gelado e cobertos pelo orvalho branco do inverno. Ramon, passando do lado deles, parou por um instante e encarou-os com pena. Foi até seu mocó, protegido pelos motores do chafariz, buscar fósforos, caixas de papelão e cobertores. Tragando os tocos de cigarro, forrou o chão com as caixas, puxou cuidadosamente os guris para o papelão e os cobriu. Acendeu e fumou as últimas bitucas, uma a uma, antes de voltar para os pés mijados da estátua, cobrir-se com o cobertor molhado de urina e dormir. Assim que pegou no sono, uma pomba pousou no ombro da estátua e cochichou:
- Quando fizeram algumas dessas coisas aos meus pequeninos, a mim o fizeram.
A estátua chorou e o fio da lágrima revelou um rosado de carne no rosto de pedra.
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ARTRITE:
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me senti meio como a estátua - um observador comovido.
ResponderExcluirSomos dois. A esperança é que a carne revelada pelo fio de lágrima contamine o mármore!
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