18 de janeiro de 2011

Deus, o diabo e a tragédia

Condensado de texto desconcertantemente
preciso de Claudio Oliver.

Dizem as escrituras sagradas dos cristãos que o diabo vem para roubar, matar e destruir.

Diante das chuvas e da desgraça que se abateu sobre meu estado natal, se para alguns é difícil acreditar em Deus, para mim se torna fácil perceber o diabo.

Na loucura da concentração urbana, vejo o diabo seduzindo pela suposta facilidade de dar um jeito de “viver melhor”, deixar o campo e a lida da roça para se amontoar em encostas na espera de que a sorte e a fortuna - estas que nunca chegam - abram uma porta e deixem entrar um daqueles seduzidos.

Vejo o diabo roubar. No roubo que se faz de espaços tomados da natureza, grilados, invadidos e usurpados. No roubo da propina recebida pelo fiscal, no roubo do político que vende ilusões e compra almas, no roubo dos secretários de obra (…). No roubo dos elementos da criação, fixados em matéria plástica que se acumula, entope e cria barreiras para a vida. (…) No roubo do tempo de comunidade feito pela TV por meio das antenas parabólicas paranóicas que permanecem de pé mesmo depois das tragédias. Nestes e em outros roubos, tenho de crer no capeta.

Vejo o diabo matar. No assassinato da memória, que força a esquecer a vida no campo, a organização da família em torno do ambiente, a esquecer os rítmos da natureza, as estações e os tempos. (…) Ao ver a tolice forjada na mente de tantas vítimas que por meio da ignorância acabam se tornando os acusados por suas mazelas.

Vejo o diabo destruir, ao induzir a ficar no caminho das acomodações naturais da topografia. Ao adiantar esse processo pelo desmate em troca de lucro, ao ajudar a vista grossa a não ver o grosseiro absurdo de permitir a irmãos e irmãs nossos viverem onde nem as plantas se fixam. Ao estimular a dependência de um mercado que promete em troca de dinheiro, tudo aquilo que teríamos em troca de trabalho. E vejo o diabo destruir a esperança, quando depois disso tudo, sai de fininho e pergunta: Onde está Deus?

Vejo Deus no peito da mãe que perdeu seu filhinho na enxurrada, vejo Ele soterrado ao lado do pai que hidrata o filho com a saliva para este não morrer, vejo Ele tirando entulho, vejo Ele na indignação acordada, vejo-o em cima de uma pedra tentando sinalizar para as pessoas e vejo-o na ira dos olhos de quem se percebe indefeso. Vejo Ele ao lado da vida, indignado, mutilado, escolhendo o lado do fraco e levando a culpa pelo que nós, seguindo o diabo, sabemos que no fim é nossa, de todos.

(…) Nem sei se é isso tudo, nem sei se é só isso, mas precisava escrever para que as lágrimas parassem de rolar.


O texto completo está “na rua com Deus”.

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