Gerson acorda perdido. Nada poderia ser mais surreal. Antes de abrir os olhos percebe o frio intenso e úmido que invadira o quarto. Pisca tentando acostumar-se com a luz amena (mas intensa para quem está acordando), a mão tateando na busca afobada pelo óculos de lentes grossas que descansa inequivocamente, sem a menor possibilidade de falha, na mesinha ao lado da cama. Mas não encontra óculos nem mesinha. Bate com a ponta dos dedos em uma parede gelada e irregular. Retrai a mão e permanece estático por alguns segundos, enquanto a pupila se contrai. Percebe que o lugar onde seu corpo repousa não é propriamente uma cama. Espreme os olhos confuso tentando entender o que se passa. A parede é de pedra. Blocos enormes de rocha sobrepostos, encaixados. A cama é uma tábua forrada com um pouco de palha e sustentada por duas correntes, unindo um lado da tábua à parede em uma linha diagonal. Já acostumado com a luz, percebe a janela pequena num canto muito alto, bem acima da tábua, sem vidro e gradeada com grossas barras de ferro. Na parede oposta à cama, uma muda de roupas bem dobrada descansa no chão gelado de pedra. Levanta devagar e caminha lento até elas. Camisa social branca, calça de sarja cáqui, corte reto, alinhado, sapatos pretos bem engraxados, meias pretas e um blazer marron escuro. Em baixo das roupas, seu laptop e o óculos. Na parade ao lado uma pesada porta de ferro fecha o quarto. Está trancada e pela janela minúscula na altura do seu rosto, Gerson percebe o clarão intenso que vem de fora e sente o ar morno soprado de lá. Dá uns passos para trás, leva a mão ao queixo, sente a barba mal feita e observa pensativo cada canto do cubículo onde se encontra. Veste-se lentamente, coloca o óculos olhando a janelinha da porta e ouvindo um burburinho intenso. Senta na cama de tábua e palha, suspensa por correntes, laptop no colo. Já sabe o que lhe espera. A porta se abrirá em instantes e Gerson ouvirá os gritos elnouquecidos de uma multidão. Será preciso sair do quarto e entrar na arena. Talvez sobreviva mais um dia.
Me fez lembrar do Kafka, em "A Metamorfose".
ResponderExcluirÉ inevitável.
Vem muito forte e inquietante a lembrança.
Leio sobre Gerson que me remete a Gregor, protagonista desta obra que insisto em relacionar com tua obra, teu conto.
Bem, espero que Gerson sobreviva, melhor, que viva!
Que viva com qualidade de vida.
Que viva a abundante vida.
Pois a morte de Gregor me foi muito dolorida.
Será um delírio meu, Tuco? :)
Paz!
Também lembrei do Gregor. Até o nome é parecido. Quem sabe sejam parentes. Também torço pra que o Gerson consiga fugir dessa arena e correr levremente pelos campos. Não é fácil guria. Os muros são altos. Mas sempre há esperança de uma reviravolta ;)
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