É impossível, para quem assiste TV, livrar-se da onipresença dos programas de culinária. Tem para todas as idades e gostos, em todos os horários. Dos mais sofisticados aos mais pé-de-chinelo. Dos mais naturebas aos mais gordurosos. Dos mais fitness aos mais fatness. Comida é o tema. Isso enquanto uma criança morre de fome a cada 5 minutos, segundo a ONU. Há um problema estrutural no nosso mundinho com o qual temos convivido pacificamente, em detrimento da morte de milhões - não por violência, não por guerra, não por nada menos que fome, ausência de comida suficiente para manter-se em pé.
“A pobreza é só a moldura, a causa principal da fome é a riqueza – de poucos, a nossa”.
Em Kampala, Uganda, 2017. Foto Tato Egg. |
Quando estávamos em Kyebando, um bairro pobre de Kampala, capital de Uganda, visitamos Appoline, uma refugiada congolesa. Perguntamos onde estavam seus filhos, se poderíamos conhecê-los. "Não dá", ela respondeu, "saíram cedo pra rua, procurar comida". Nos disse isso com toda naturalidade do mundo. As crianças não vêem pra casa comer, porque não há o que comer em casa. Saem à luta, um dia após o outro, na esperança de conseguir algo.
Enquanto isso, “vivemos na era da comida. A alimentação nunca ocupou um lugar tão importante na nossa vida; o business da comida nunca produziu tanto dinheiro; nunca houve tanta comida. Nunca houve tanto alimento não comido. Não digo somente pelo desperdício – enorme – das nossas sociedades, em que mais de um terço dos alimentos acaba no lixo; o digo sobretudo por essa nova característica da comida, transformada em espetáculo”.
"Foi em 1980, revela Caparrós, que o FMI e o Banco Mundial, com o Consenso de Washington (que estipulou dez regras para o ajustamento macroeconômico dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades), convenceram os governos africanos, por meio de ameaças com a dívida externa, de reduzir a ingerência estatal em vários setores, partindo da agricultura. Colheitas reduzidas? Carestia? Nada de subvenção. Foi a condenação à morte por fome de milhares de africanos, explica o escritor. Enquanto isso, nos Estados Unidos e na Europa os governos subvencionavam os seus agricultores em cerca de 300 bilhões de dólares ao ano. (...) São esses subsídios que permitem baixar o preço dos grandes produtores e levar à falência os pequenos."
Há um problema estrutural no nosso mundinho, com o qual não deveríamos conviver pacificamente.
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A fome tem dono, Monsanto e Bayer. Isso é assustador. Parabéns pelo texto Tuco, esclarecedor.
ResponderExcluirGrande Afonso! A Bayer comprou a Monsanto, vc soube? É um negócio da china: a empresa que faz remédio contra o câncer comprou a empresa que causa câncer. Agora tá perfeito.
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