18 de fevereiro de 2007

Comunidade hermenêutica

Os Evangelhos e as cartas que compões o Novo Testamento nos dão poucas referências a respeito da forma como devemos interpretar a palavra de Deus. Parece que houve pouca preocupação no início da igreja sobre como interpretar a palavra, até porque o novo testamento estava sendo vivido e não estudado. Obviamente somos gratos à formação do cânon e a inacreditável sobrevivência do texto que hoje é a base da nossa fé. No entanto, esse texto único levou a igreja a caminhos diversos. E cada um desses caminhos é resultado de contextualizações a culturas e momentos históricos.

Dentro das muitas variantes, podemos encontrar 3 modelos hermenêuticos principais.

O modelo adotado pelo protestantismo histórico, com seu valor à ortodoxia, à compreensão dos textos, à doutrina correta, nos conduz a uma interpretação plana da Bíblia. Antigo e novo testamento tem mesmo valor, e Cristo é visto como o salvador, que pode nos capacitar a cumprir a “ortodoxia”. Nossa salvação é um evento que acontece num determinado momento, e garante nossa eternidade com Deus. Esse modelo tende a gerar cristão mais dispostos a se debruçar sobre a Bíblia do que a estender a mão ao próximo. O esforço é direcionado para defender a doutrina ao invés de atender aos necessitados. A evangelização se resume a ver a mão erguida, o apelo aceito e o céu garantido. Daí pra frente, basta entender a doutrina e aceitá-la como correta.

O segundo modelo - o movimento que mais cresce no Brasil – é o carismático. Sua hermenêutica valoriza a revelação direta de Deus a uma pessoa, que assume o título de profeta ou apóstolo, e que tem voz de comando sobre seus seguidores. É, de longe, a forma com maior potencial para deturpações do Evangelho. E essas deturpações têm sido cada vez mais comuns e mais óbvias.

A terceira opção pode ser chamada de comunitária. Esse grupo entende a Bíblia como uma revelação progressiva de Deus. Do velho para o novo testamento, a revelação dá o grande salto da lei (morta) para a vida (relacionamento). A ênfase passa a ser prática, relacional. E o modelo de relacionamento é Cristo, que assume o papel de Senhor, que espera obediência, sendo seguido e imitado. Aqui a salvação parece não ser um evento tão pontual, claro e irrevogável. Antes, ela é fruto da caminhada com Cristo, como discípulo. A dificuldade aqui, reside na tendência da comunidade gastar seu tempo gerindo a si mesma. Parece que os esforços acabam se direcionando para manter a comunidade imune, guardá-la do mal. O resultado tende muito mais para o protecionismo do que para a dispersão a que Cristo nos comissionou. O pensamento se torna homogêneo demais, os pequenos problemas criam raízes e se tornam difíceis de arrancar.

O modelo que o Evangelho propõe é essencialmente relacional. A hermenêutica comunitária propõe abraçar esse modelo. No entanto, temos que entender que a comunidade não deve viver para si, nem restringir-se ao grupo de discípulos de Cristo. O Evangelho deve ser vivido para fora, misturado aos que não o conhecem, transformado em ações práticas de amor, misericórdia e perdão, para os que carecem disso. A interpretação da palavra deve nos levar a entender o Espírito de Cristo, e a viver de acordo com ele, entre aqueles que não o conhecem. Uma comunidade hermenêutica diluída, misturada, adoece menos. E uma comunidade menos adoecida, pode viver mais intensamente o conteúdo revolucionário da proposta de Jesus, sem perder tempo tratando de si mesma.

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