20 de janeiro de 2007

Missão Caiuá - olhares desconfiados

DA SÉRIE CAIUÁS
Domingo

O culto na Missão é 8h30. Perto das 8h começam a chegar os índios, caminhando, cada um por uma trilha e diferente. Eles chegam em grupos, famílias, calmamente, em silêncio, a maioria à pé, mas alguns aparecem de bicicleta. Bae-chapã é o cumprimento de todos, ao que se responde, porã. A pronúncia é bem nasal, e o “ã” parece um cruzamento de acento agudo com til.

O culto foi tocante. As músicas, o local, o comportamento dos membros, tudo repleto de uma simplicidade cativante. No final, o testemunho do nosso tradutor, o índio Jonas, me amoleceu o coração. Ele é vice-capitão (cacique) na aldeia, mas decidiu abandonar a capitania se preciso, para se dedicar ao serviço e pregação do Evangelho. A decisão foi impulsionada pela palavra que ele mesmo traduziu, sobre as decisões de Daniel.

À tarde saímos para a região do Cerro. Enquanto caminhávamos pela aldeia, parávamos em algumas casas aqui e ali, para convidar os moradores para as atividades da semana, que faríamos ali mesmo, na escola do Cerro, para crianças. Histórias, músicas, brincadeiras e o indispensável lanche.

- Mba’e chapã.
- Porã.

Era assim em cada casa. Um pouco de conversa, olhares desconfiados. Depois de um papo econômico, com pouquíssimas palavras, fazíamos o convite, explicando o que aconteceria na escola, durante toda semana. Nossos tradutores eram o Vicente e a Franciele. O ambiente é terrível. Não há nenhum tipo de conforto ou limpeza. Absolutamente diferente de tudo que estamos acostumados. A água disponível é racionada e o calor estafante. Senta-se no chão ou em bancos de madeira. O interios das casas é de chão batido e dorme-se por ali mesmo, em esteiras de bambu. Toda família num único cômodo. Convivem juntos gente, cachorros, gatos, galinhas. Bebês no chão, todos sujos de terra.

Uma das famílias estava completamente embriagada, com exceção de 2 crianças pequenas (cerca de 6 anos), que serviam a cachaça aos pais. A mãe amamentava enquanto bebia, completamente fora de si. Outra casa nos recebeu bem, convidou-nos a sentar e começamos a jogar conversa fora. Durante o papo, uma menininha com cerca de 6 anos servia tererê aos pais e irmão mais velho, carregando pra lá e pra cá uma garrafa térmica de 5 litros. O pai nos contou que a menina não era sua filha, mas ele a havia pego pra criar porque a mão morreu e o pai queria joga-la fora, deixa-la morrer sozinha no mato. Isso é comum entre eles. Enquanto ele falava, a menina me serviu uma cuia de tererê. Foi um momento emocionante, porque isso era um sinal de respeito e aceitação.


Das 11 casas que visitamos, fomos convidados para sentar em umas 4 ou 5. Todos ouviram o convite, mas é difícil dizer o que passou pela cabeça deles. Não esboçam nenhuma reação reconhecível para nós, caraís. Vejamos amanhã como estará a escolinha do Cerro.

Retornamos à tardinha e passamos o resto do dia preparando as coisas para a segunda feira.
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3 comentários:

  1. Anônimo3:35 PM

    Alcoolismo entre os índios é algo que assusta mais do que qualquer doença que tenha por aqui.
    Pior é que tem crianças morrendo de fome porque os pais deixam de comprar comida para comprar cachaça.
    Isso vinha acontecendo muito em Dourados e região.


    Abaixo à cachaça.
    Viva o tereré.

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  2. Passei por aqui. Não tive tempo de ler ainda, mas hei de voltar.

    Abs

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