9 de julho de 2007

Nem no céu, nem no inferno

INTRODUÇÃO
(se ficar aborrecido com esse começo, vá um pouco mais pra baixo até PARA ONDE APONTAR O NARIZ - se continuar aborrecido, desça um pouco mais até OVELHAS E BODES)

As definições sociológicas da religiosidade geralmente segmentam as diferentes manifestações posicionando-as sobre dois eixos. O esboço abaixo é superficial, evidentemente, mas necessário para as observações que tentarei fazer em seguida. Os termos não possuem aqui nenhuma conotação religiosa. Não podemos, então, entender igreja como o corpo de Cristo nem seita como grupo herético. São terminologias neutras para fins de estudo e classificação sociológica.



O Eixo horizontal representa a relação com a sociedade. No gráfico acima, quanto mais a direita, mais o grupo religioso se afasta da sociedade, criando um grupo isolado chamado tecnicamente de seita ou cult, dependendo de sua relação com seu eixo perpendicular. Quanto mais a esquerda, mais o grupo se mistura, envolve e/ou dissolve na sociedade, variando, tecnicamente, entre igreja e denominação.

O Eixo vertical representa a relação com Deus. Quanto mais para baixo se encaixa o grupo, mas pluralista ele se torna. Quanto mais para cima, mas exclusivista.

> FONTE: material didático do Prof. Arthur Dück, da Faculdade Fidélis.

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PARA ONDE APONTAR O NARIZ
Partindo desse gráfico, levanto abaixo uma proposta de caminho para o qual a igreja deveria seguir de acordo com os padrões sociológicos. É importante frisar que todos os quadrantes são louváveis em alguns aspectos e detestáveis em outros. Trabalhemos sobre cada eixo distintamente.

Eixo horizontal (amizade – inimizade)
Em muitos meios a igreja se porta de forma agressiva à sociedade. O único ambiente considerado ‘santo’ é o ambiente da igreja, promovido e controlado por ela. Por esse motivo, inúmeros programas e eventos oficiais considerados ‘sacrossantos’ preenchem o calendário dos crentes durante todo o ano, e a ausência em algum deles é passível de punição. Esse tipo de igreja é, normalmente, liderada por uma pessoa carismática e controladora.

A amizade com a sociedade, no entanto, a meu ver, é o caminho que a igreja deve seguir. Vejo no Cristo e seus seguidores um grupo completamente inserido no contexto social do povo judeu. Era um grupo absolutamente distante do sistema religioso vigente e, aos olhos dos poderosos desse sistema, uma seita, sem dúvida. Mas aos olhos dos ‘de fora’, dos cidadãos comuns, era um grupo que vivia entre eles, comia, festejava, convivia de forma absolutamente amigável. Nesse aspecto, creio que um grupo de seguidores de Jesus deveria, hoje, estar em situação semelhante à daquele tempo. Percebido como seita não pelos sociólogos, mas pela igreja institucionalizada e enrijecida.

Obviamente as palavras de Jesus espantaram muitos do seu redor. Mas ele permaneceu, ainda assim, inserido entre esses, independente de sua aceitação. Assim, uma igreja que fala de um estilo de vida diferente do padrão egoísta do homem, não precisa ser inimiga do homem. A inimizade é mais fruto da pregação dogmática da igreja oficial, que tem pouca semelhança com a pregação relacional e humana de Jesus, como veremos a seguir.

Eixo vertical (único – plural)
Muitos grupos enxergam a si mesmos como o portadores de uma verdade única e maior, e vêem os demais grupos religiosos, mesmo os que são chamados irmãos, como subgrupos, defasados, errados, fora dos padrões ideais que eles mesmos vivem e anunciam.

Esse padrão de pensamento é perigoso porque é, ainda que de forma sutil e involuntária, cheio de presunção e orgulho. Creio que Jesus é, conforme ele mesmo diz, ‘o único caminho’, mas não sei mais ao certo definir onde ele está, a que grupo pertence. Aliás, só pensar que Jesus poderia pertencer a um grupo seria já uma grande heresia. Porque Jesus é selvagem, livre e indomável, como o Aslam da maravilhosa alegoria de C.S. Lewis. Em tempos antigos, diria que Jesus está no movimento evangélico. Não veria hipótese alguma de salvação em vidas que não estivessem efetivamente ligadas à uma igreja evangélica. Cria que nesse título estava a ‘legitimidade única’ da salvação.

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OVELHAS E BODES
Creio ainda na legitimidade única do Cristo. Mas perco completamente o chão quando vejo as respostas que ele dá àqueles que questionam – Como ganhar o reino dos céus? Jesus não aponta, em momento algum, para qualquer que seja a instituição religiosa. Nem tampouco para dogmas e regras definidas e salvíficas. Ele, percebo aterrorizado, aponta para relacionamentos humanos repletos de amor e misericórdia. Sim, algumas igrejas vivem em uma ambiente que incentiva, apóia e facilita esses relacionamentos. Outras não. E alguns de nossos membros batizados e dizimistas vivem, de algum modo, esses relacionamentos (ou ao menos tentam e lutam diariamente na intenção de vivê-los). Outros não. E algumas pessoas vivem, fora do nosso meio ‘evangélico’, esses relacionamentos de forma intensa e sincera.

Em Mateus 25.31-46, Jesus fala a respeito do julgamento das nações. Ele separa todas as nações em 2 grandes grupos de bodes e ovelhas. Então, de maneira assustadora, ele dá a entender que nem bodes, nem ovelhas tinham consciência de seu destino. Tanto um grupo quanto outro fica espantado com o destino que recebeu. Parece que os bodes achavam que estavam com o jogo ganho. E as ovelhas espantam-se com a vitória inesperada. E a justificativa que Jesus dá para sua decisão final, mais uma vez, não é dogmática, mas relacional.

Eu, hoje, prefiro viver em uma igreja que seja amiga da sociedade, e não coloque ninguém no céu, muito menos no inferno.

2 comentários:

  1. Anônimo10:25 PM

    Concordo contigo, Tuco.
    Cristianismo tem que ser mais perto do mundo, e não mais longe dele. O caso clássico, além do exemplo que você deu de Cristo e do judaísmo, é o dos cristãos judeus hebreus (ou da Palestina) e o dos cristãos judeus helenistas (ou da diáspora mediterrânea oriental).
    Os cristãos da Palestina continuaram achando que Deus era exclusivo dos judeus (como o próprio Cristo deu a entender muitas vezes e pela própria restrição geográfica de seu ministério), e que para ser cristão era preciso ser judeu praticante.
    Os helenistas (veja o conflito entre eles mencionado em Atos cap. 6) falavam grego e estavam acostumados a ser minoria no mundo pagão, por isso sabiam que tinham que dialogar com a cultura circundante, respeitá-la e contextualizar o evangelho para ela. Não é à toa que o primeiro grupo cristão a ser perseguido foi o deles, e o primeiro mártir foi um judeu de fala grega - Estêvão (ver Atos 7).
    Foi para estes gentios convertidos que Paulo escreveu a carta aos Gálatas, afirmando que não era necessário submeter-se à lei judaica para ser cristão.
    Paulo inclusive envolveu-se numa polêmica com a liderança da Igreja de Jerusalém e esse respeito, que resultou na sua prisão pouco antes de ser linchado (Atos 21 a apartir do vers. 17).

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  2. Mas, observando-se todas as listas de não-podes, uma das poucas diversões que restam no "evangeliquismo" é dizer para os outros: "eu vou pro céu e você nãão! Nananana!"

    Não nos tire esse pequeno prazer!

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