9 de janeiro de 2008

A cultura de dentro

O pior mal é o que vem disfarçado de cordeiro.


O problema cultural da igreja não está em descobrir formas de interagir com a cultura “de fora”, mas em descobrir formas de eliminar a “cultura de dentro”. Toda missão de uma igreja é transcultural se você percebe que a própria igreja desenvolveu e mantém-se profundamente embebida em uma cultura própria, desconectada do mundo ao redor.

O cristão moderno tem músicas, revistas, programas de televisão e rádio, grifes de roupa, livrarias, eventos, feiras, restaurantes, shows de música, dança e teatro voltados para entretenimento próprio.

Na nossa realidade cristã, o auge do discipulado acontece quando conseguimos transformar um crente novo em alguém tão esquisito e alienado quanto nós mesmos. Quando conseguimos por fim isolar completamente o novo convertido do mundo “de fora” e aprisioná-lo, junto conosco, naquilo que Caio Fábio chamou de “triângulo da morte”, que resume nossa existência nesse mundo ao ciclo “casa-trabalho-igreja”.

Nos esforçamos para fazer com que os eventos da igreja tenham uma cara mais palatável para os “de fora”. Acreditamos que “interagir com a cultura” é tocar as músicas do louvor em um novo ritmo, mudar a liturgia aqui e ali, fazer retoques na estrutura eclesiástica arcaica, criar um novo evento e extinguir um antigo. Mas não temos coragem e disposição suficiente para darmos liberdade para que aqueles que foram libertos pelo Evangelho possam vivê-lo livremente nos ambientes de onde eles vieram e influenciar esses ambientes, e os amigos que estão lá, com a graça que os alcançou e libertou. Nosso grande pavor é perder a alma do infeliz se o deixarmos sair dos muros de segurança da subcultura cristã. Nosso esforço só é recompensado, quando o novo crente demonstra de forma clara os novos padrões de comportamento estético adquiridos.

É espantoso ver que pessoas com anos de igreja ainda se perguntam se podem jogar baralho, ouvir essa ou aquela música, ver esse ou aquele filme, tratar-se com homeopatia ou pegar na mão do namorado.

De nada adianta disfarçar-nos com manifestações culturais “externas”, se ainda permanecemos cativos da cultura interna. Precisamos perder o medo e conduzir o povo pra fora dos nossos muros e mostrar que tem pasto verde do lado de fora. A cultura popular pode nos alimentar a alma. Beleza e espiritualidade estão conectadas e um filme ou música “secular” pode nos levar a um momento da mais pura adoração. E técnicas orientais de meditação podem nos fazer mais sensíveis à voz do Espírito Santo, na medida em que nos ensinam a afastar-nos da maluquice do ritmo de vida pós-moderno.

Evidentemente tudo isso pode também nos fazer mal. Mas a submersão na cultura evangélica alienada é um mal terrível que vem, em pele de cordeiro, nos comendo pelas beiradas, e nós não o distinguimos direito.


Leia também:
Evangelho e cultura.
O Movimento pelo movimento.

2 comentários:

  1. É verdade, falando sobre isso com um amigo meu (tb blogueiro - DanieldLiver) ele falou que chega um momento onde essa "regras" já não vão ter tanta importancia. E o cristão descobre o que pode o beneficiar ou não...


    abração irmão
    lindo seu quintal, amei a historinha e tb o novo visual do blog
    Fica na GRAÇA!

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  2. Como sempre preciso. Abordando tema de grande pertinência.

    Acho que as pessoas que mais me marcaram na vida foram aqueles cristãos que se recusaram a enquadrar-se nas tais regras. E que ousaram ser eles mesmos, viver sua cultura sem fugir do mundo.

    Criamos um mundo de medo. Medo do pecado que pode estar em todo lugar, levando-nos à danação eterna. Presos a este medo deixamos de viver.

    Acho que é por isso que os "crentes" ficam tão nervosos quando suas doutrinas são confrontadas. Os caras literalmente desperdiçaram suas vidas em nome delas. Como é que alguém vem dizer que isso está errado?

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