22 de abril de 2008

Também sobrevivi [3]

Gandhi, Everett Koop, John Done, Annie Dillard, Frederick Buechner, Shuzaku Endo e Henri Nouwen


A manifestação dos ensinamentos de Cristo nunca se fez tão intensa quanto na vida de Gandhi. Sua capacidade de encarnar o evangelho até as raízes da sua alma, e também na carne, dão um nó na cabeça de um piedoso cristão fundamentalista. Gandhi joga na cara da igreja cristã a intensidade da capacidade de transformação que o Evangelho tem, quando vivido intensamente, em uma sociedade. Se ser discípulo de Jesus é seguir os seus passos, dificilmente encontraremos em nossas igrejas um discípulo mais fiel que “a grande alma”. Gandhi vira todos os fundamentos do mundo ocidental contemporâneo de pernas pro ar. Curiosamente os fundamentos do capital, da produção, da performance do mundo moderno tem origens teológicas, nascidas no seio da reforma protestante e não por coincidência manifestados nas suas formas mais grotescas na maior nação protestante do planeta.



Everett Koop mostra um ideal de envolvimento do cristão na política e poderia ser usado como modelo a todo ‘bispo’ evangélico que se lança na vida pública no Brasil. Sua declaração “sou chefe do departamento de saúde dos heterossexuais e homossexuais, do jovem e do velho, do moral e do imoral” soaria a blasfêmia em nossos círculos religiosos. Mas Koop demonstra a maturidade absolutamente ausente no lastimável envolvimento da igreja brasileira na política.



O encontro terrível com o sofrimento e a morte de John Donne, o convívio doloroso do cristão diante de um Deus que não se manifesta a ponto de reverter a história, mas que se porta como um observador passivo e silencioso do ser humano definhando, é a única forma razoável de oferecer consolo àqueles que realmente sofrem ao nosso redor. A mania evangélica de proferir ‘palavras proféticas’ sempre relacionadas à cura, sucesso e prosperidade é, na verdade, maldição.
“O curador ferido conclui que a graça e a cura são transmitidas por meio da vulnerabilidade de homens e mulheres que foram atropelados pela vida e tiveram o coração rasgado. A serviço do amor, apenas soldados feridos podem se alistar” (Brennan Manning em ‘O impostor que vive em mim’).


A maioria das igrejas que conheço mal aceitaria como irmã na fé uma fumante inveterada como Annie Dillard. Seria julgada por todos o tempo todo. Pode vir algo bom de um fumante (ou de Nazaré)? Mas Yancey vê nela e na sua observação da revelação redentora de Deus na natureza, sopros de graça e amor divino que pode alcançar os doentes e pecadores.



Frederick Buechner tornou-se um cristão fora do ninho, apesar da formação teológica e ordenação pastoral. Alguém que encarou a fé com a franqueza de duvidá-la. Alguém que não encontrou respostas, mas sim esperança. Alguém que acabou distante da igreja institucional pela total irrelevância dela em sua vida, sem, no entanto, tornar-se um ‘desviado’.



Shusaku Endo mostrou a capacidade de abstrair Cristo das categorias formais do pensamento ocidental, até mesmo abrindo mão de conceitos fundamentais da fé, mas que cria que essa era a única forma de o Evangelho fazer sentido ao seu interlocutor. Endo viu também em Cristo a capacidade de perdão que nós retiramos dele em nossa crença repleta de certezas e ênfase em padrões estéticos.



Em meio a um pequeno grupo de doentes mentais, Henri Nouwen encontrou a graça de Deus na fraqueza daqueles que nada têm a oferecer. Lá, e não no ambiente sacrossanto da igreja, entendeu não só tamanho da graça do Pai que recebe de volta o filho perdido, mas também o filho que jamais saiu de casa, sem nunca ter usufruído da presença do pai.

Veja também:
Também sobrevivi [1]
Também sobrevivi [2]

4 comentários:

  1. É meu caro,

    que beleza ver você lendo coisas tão interessantes. Que bom se os crentes descobrissem o quanto de divino podemos captar nas artes, na literatura.

    Na minha adolescência me embebi dessas coisas - Caetano, Maiakoviski, Dostoievski, e muito mais.

    Só não tive o prazer de ler Yancei e descobrir que cultura e cristianismo podem conviver. Tive que abandonar a igreja, brigar com meus pais e sair em busca de uma sinceridade diante da vida, que só via nos meus amigos "mundanos"...

    Depois comecei a redescobrir o cristianismo nas páginas da revista Ultimato. Primeiro lendo o Robinson Cavalcanti e percebendo que dá sim para ser cristão e comunista. Ou lendo o Gondim, saber que cristão pode e deve ler a filosofia de homens ateus.

    Agora tenho uma agradável sensação de cumplicidade lendo as delícias que você compartilha aqui. Muito obrigado.

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  2. Buechner conheci de verdade no ano passado (emprestado) com Telling the Truth - o cara escreve muuuuito.

    O Nowen - só não conhece quem tem braço muito curto e ainda assim não abre a boca. Ele está por muitas prateleiras por aí ...

    Estou re-lendo também. É inspirador.

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  3. Pois é André. Sinto o mesmo. Esse negócio de Blógue é legal :-)

    Volney, que honra. Nowen conheço e achei espetacular "A volta do filho pródigo". Gandhi tem um excelente filme com sua biografia. Fiquei muito curioso com o Shuzaku. Parece que existe uma biografia dele em português.

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  4. Anônimo1:07 PM

    Fala mano...
    Deu-me uma saudade deste livro do Yancey, obrigado por lembrar-me...

    abraço,

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