25 de setembro de 2008

A igreja de Vinícius

Dia desses ouvi a sugestão de que, para se criticar a igreja institucional com propriedade, seria preciso primeiramente tecer uma definição bíblica de o que é igreja. Seria, sem sombra de dúvida, algo bastante oportuno, não fosse o fato de que o adjetivo “bíblico” tem pouquíssimo significado na prática. Porque todas as heresias são bíblicas, bem como todas as variações teológicas do cristianismo. Arminianismo e calvinismo são bíblicos. É bíblica a salvação pela fé, tanto quanto pelas obras. E todas as variações escatológicas são bíblicas. Como se não bastasse essa complicação, que por si só já é bastante desestimulante, a bíblia simplesmente nega-se a dar qualquer que seja a definição de igreja. Nem o mestre, nem nenhum dos seus apóstolos se deram ao trabalho de definir esse conceito. Simplesmente passaram a usar o termo para designar quaisquer grupos de seguidores de Jesus espalhados por qualquer canto. Referiam-se ora a um grupo abrangente e universal (Mt 16.18), ora aos cristãos de uma cidade (Rm 16.1), ora a um pequeno grupo reunido em alguma casa (Rm 16.5), deixando claro que não estavam preocupados com definições acertadas. Faziam o que lhes “parecia bem” conforme a situação, deixando claro que as decisões eram circunstanciais (At 15.22). Em um momento é uma só (1 Co 10.32), logo em seguida são muitas (1 Co 11.16). Paulo ainda sugere uma longa série de atividades e conselhos destinados à igreja de Corinto, alertando, inclusive, para que a mulher permaneça calada, “porque é indecoroso para a mulher o falar na igreja”. Aí começa uma ginástica teológica que procura separar aquilo que é regra universal daquilo que é cultural, motivada pela necessidade de definição correta, descritiva e detalhada da igreja.

Do ponto de vista do novo testamento, porém, tudo que diz respeito à igreja está relacionado tão somente ao agrupamento voluntário de gente que reconhecia um mesmo espírito entre si, o espírito do evangelho de Cristo, das boas novas da salvação, da mensagem da reconciliação, da graça, do amor e do acolhimento mútuo. Era gente encontrando-se por gosto, por prazer, por reconhecer-se no outro. Era gente disposta a compartilhar dores, sofrimentos, alegrias, prazeres, vinho e pão. E, nesse compartilhar voluntário de vidas, os dons eram livremente manifestos, e havia crescimento, fortalecimento, comunhão, ensino, cura, repreensão amorosa, serviço...

O que temos hoje como elementos intrínsecos à igreja, não passa de agregados, enxertos, enfeites, penduricalhos. Não são todos necessariamente maus, mas certamente não são inerentemente bons. As hierarquias, os cargos, a membresia, as ordenações, os rituais, os pré-requisitos, tudo isso é circunstancial e, por isso, descartável ou, para os mais apegados, renovável. A melhor definição de igreja foi dada por Vinícius de Morais:

Era uma casa muito engraçada
Não tinha teto não tinha nada
Ninguém podia entrar nela não
Porque na casa não tinha chão
Ninguém podia dormir na rede
Porque na casa não tinha parede
Ninguém podia fazer pipi
Porque penico não tinha ali
Mas era feita com muito esmero
Na rua dos bobos, número zero

(Vinícuis de Moraes no musical “A Arca de Noé”)

Está aí a melhor definição bíblica de igreja que pude conseguir. Uma casa não-casa, cheia de graça e construída com esmero em lugar nenhum, porque é móvel, ágil, fluída, como uma pipa carregada pelo vento. E esse é o grande mistério e o grande pavor. Porque nosso desejo é sempre o de controlar, contabilizar, proteger e erguer, com o suor do nosso rosto, uma nova Torre de Babel.

A casa
Vinícius de Moraes





Veja também:
The Beatles e o Evangelho do Reino

8 comentários:

  1. Essa igreja é legal. Só não gostei do endereço.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Belo texto!

    Mas eu gostei mesmo foi do endereço; é preciso ter a sensatez de um bobo para aceitar uma casa assim, feita de um concreto tão desenvolto como uma pipa.

    A definição do Vinícius é mesmo a mais perfeita.

    Abraço fraterno.

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  4. Pois é. Eu também achei o endereço o ponto forte dessa igreja. Afinal de contas, esse negócio de Evangelho é mesmo coisa pra maluco.

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  5. Ok, seus bobões.

    :o)

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  6. O PAVA está montando 1 Newsletter só para blogueiros. Por favor, me envie um e-mail para que eu possa colocar seu e-mail na lista.


    vitorferolla@gmail.com


    Obrigado!

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  7. Essa é a Igreja que convivi nestes últimos meses, éramos um grupo reunido embaixo de uma árvore em Mazamba (confira o pilgrimageofson.blogspot)encontrando-nos para rezar ao mesmo Deus. No fundo não sabemos bem o que fazer além do programa prescrito, e isso é o que me faz perguntar...tendo ou não arede ou cobertura, nós como estrutura orgânica (I Co12; Ef 4:15,16) neste Corpo estamos um pouco caricaturados. Ah, realmente a maior missão está em sermos interiormente santuário deste Deus que cremos, e enquanto não temos essa essencia, então, nos conformamos, com tijolo, pau, pedra e placa de denominação que diz: minha doutrina é ESSA! Deus abençoe.

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  8. Deus não quer templos de madeira, tijolos ou concreto, ele prefere nossa carne, a Biblía é bem clara quanto a isso, a igreja de Cristo somos todos nós! Quer o endereço? Se olhe no espelho e reflita sobre sua existência!
    Mário Luiz

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