Ha'eve Irû havia dito que viria. Queria despedir-se. Quando nos falamos, alguns dias antes, encheu-me de alegria ao lembrar meu nome e referir-se a mim como amigo. Tinha-o em alta conta desde que nos conhecemos dois anos antes, apesar de termos convivido por pouco mais do que uma semana. Revê-lo, dias atrás, ainda que por poucos instantes, foi para mim motivo de acanhada euforia.
Quando a noite já apontava discreta atrás do último horizonte e eu ainda esperava vê-lo uma última vez, surgiu do lado oposto ao sol, à contra-luz, como que emergindo das sombras. Aproximou-se lento e discreto, como todo índio. Eles não são, como nós, chegados a euforias e despeendimentos. São em tudo circunspectos e reservados. Sorriu como sempre sorri, apertou-me a mão e, à meia-voz, disse ter me trazido um presente. Pediu-me que reunisse a família e um outro amigo, pois tinha algo a nos entregar. Nos juntamos debaixo do teto de palha de um sombrero, Ha'eve Irû à nossa frente, as últimas lâminas douradas do sol sendo engolidas pela sombra, e o ouvimos. Enquanto articulava tímido um breve discurso agradecendo nossa presença, empunhou o violão que trouxera a tiracolo e abriu um pequeno caderno escrito à mão. E ofereceu-nos seu inesperado e comovente presente - cantou para nós, em sua própria língua, um hino de gratidão a Nhandejara, o Deus Kaiowá, o Deus criador, que havia nos levado até ali, nos colocado frente a frente e misturado nossas vidas em rico e amoroso caldo humano e cultural.
Na manhã seguinte pegamos a estrada com a alma sulcada pela marca aguda e pungente daqueles dias - especialmente da última noite e seu presente terno e eterno.
Letra da música no caderno - dialeto kaiowá
Ha'eve Irû. Bom Amigo, em guarani.
Recolha minhas lágrimas.
ResponderExcluirA vida são histórias. Quando são belas, quão boa foi a vida!!!!
ResponderExcluirQue lindo...e comovente!
ResponderExcluirQue lindo...e comovente!
ResponderExcluira imagem real foi deletada
ResponderExcluir(culpa minha)
mas claro a imagem na tua mente voou, decolou como sempre, para muito além, para o mais profundo da alma...
não sei se peço perdão ou fico feliz...
Puxa, mano, que presente...
ResponderExcluirPrecisamos nos encontrar com mais tempo, pra vocês nos contarem mais.
Abração.
Que linda história! Transformar em palavras as experiências e os sentimentos que elas produzem, não é uma tarefa fácil. Parabéns!
ResponderExcluirGracias, Claudine.
ExcluirAbração.