13 de abril de 2009

Bancos e becos

Bancos e bundas foram feitos uns para os outros. Eles são como as duas faces de um velcro. É por isso que os bancos lustrosos das igrejas estão repletos de bundas de todos os tipos. Grandes, carnudas e abastadas, sustentando corpos inertes e cheios de si. Firmes e intransigentes, cheias de razão, rígidas, ortodoxas e disciplinadas, batalhando avidamente para manter tudo como está. Flácidas, frouxas, cansadas, largadas, desanimadas, conformadas com a situação. São muitas e variadas, mas estão todas lá. O que tem em comum é tão somente o fato de estarem lá. E todas se conhecem, sabem umas das outras, sabem até de suas diferenças, eventulamente julgam-se, eventualmente condenam-se, eventualmente abraçam-se. Mas sentem-se seguras pois estão lá. O banco é firme. É rígido. É verdade que ele é muitas vezes cansativo e enfadonho, que faz mal pra coluna e range com o menor movimento (o que leva ainda mais as bundas à inércia total), mas o importante é que ele mantém todas juntas e protegidas.

Do lado de fora dos templos estão os becos. Sujos, mal cheirosos, empoeirados, mal iluminados, estão repletos de gente. Nem todos os becos estão nas periferias. Existem becos em escritórios confortáveis e casarões das áreas nobres. Mas também há becos terríveis em favelas e vielas escuras. E há becos no conforto da classe média, escondidos atrás de carros financiados e carnês de lojas de roupas e eletrodomésticos.

Dizem que é por entre esses becos, todos eles, que anda um louco que não tem onde reclinar a cabeça (nem tão pouco um banco para sentar). Ele já passou pelos bancos, chamou todos aqueles bundões, convidou-os a romperem o lacre do velcro que os prende à madeira encerada, disse-lhes que haveria um grande banquete e que estavam todos convidados. Mas seria terrível para eles abandonar a segurança corporativista dos bancos. Traga a comida pra cá - eles gritaram. Mas o louco meneou a cabeça e seguiu convicto na direção dos becos.

E eu estou aqui, o maior entre os bundões, entre bancos e becos, e não sei pra onde ir.


"Então o dono da casa irou-se e ordenou ao seu servo:
‘Vá rapidamente para as ruas e becos da cidade e traga
os pobres, os aleijados, os cegos e os mancos."
Lucas 14.21

6 comentários:

  1. Se eu fosse você, achava um bom beco e tratava de ficar lá até essa vontade e indignação estranhas passarem. :)

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  2. Pelo que te conheço, mano véio, não apenas você sabe, como já fez sua escolha.

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  3. Anônimo4:44 PM

    Ai de mim, que pastoreio uma grande equipe especializada em lustrar bancos... Vou correr pelos becos, enquanto me preparo para a festa que, nem sei como, estou sendo levado...

    Ebeneser

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  4. Mandou bem!
    Há bundas querendo ir para os becos. Mas querem levar os bancos também... e não dá certo.

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  5. Vá pros becos.

    Na verdade, acho que as bundas também estão num beco, apesar de nunca se pensarem assim...

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  6. PAULA PEREZ4:04 PM

    ESTE TEXTO ME FEZ LEMBRAR DESSA MÚSICA:
    NÃO ME DEIXE SÓ
    EU TENHO MEDO DO ESCURO
    EU TENHO MEDO DO INSEGURO
    DOS FANTASMAS DA MINHA VOZ...

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