15 de fevereiro de 2010

Tamotsu Takazaki



Akira Takazaki (na frente, à esquerda)
e seus filhos. O mais alto, atrás, é
Tamotsu Takazaki (ou Paulo Takazaki)





Hoje faz um ano desde que Seu Paulo faleceu.

Nas primeiras vezes em que o vi, sentado em sua poltrona e assistindo TV, eu estava muito interessado em causar boa impressão. Cumprimentei-o com um sorriso e um ansioso "boa noite, Seu Paulo". Ele nem ao menos me olhou.

Como o namoro com a Sil foi se alongando, minha presença naquela casa foi ficando mais comum. Depois de algum tempo, meu futuro sogro já olhava para mim, com expressão muito séria e respondia "hummmm!", para em seguida voltar à televisão. Já era alguma coisa...

Até que um dia comprei um jipe! E descobri que aquele japonês mal-encarado havia sido mecânico no exército e não só amava jipes como sabia tudo o que se pode saber sobre eles.
E descobri muito mais. Ouvi suas muitas histórias sobre o tempo no exército, operando uma usina elétrica e consertando jipes e caminhões em pleno Pantanal. Ouvi a respeito de sua infância trabalhando na oficina de seu pai no interior de São Paulo. Das dificuldades no aprendizado do português, dos absurdos do tempo da II Guerra, de como fugiu de casa e se tornou caminhoneiro. Dos milhões de quilômetros rodados pelas estradas do Brasil. Das máquinas que projetava e construía na Barranco Ferro e Aço. Histórias, muitas, muitas histórias...

Um dia, me convidou para uma viajem. Fomos de Toyota Bandeirantes até São Paulo, visitar parentes dele. Ele, Dona Maria, a Sil e eu. Foram para mim dias muito especiais. Pela primeira vez me senti incluído naquela família de jeitão tão diferente.

Com os anos, fui aprendendo a admirar aquele velho japonês. A cara fechada era só fachada. Era sim um homem que teve que lutar duro a vida toda sem nunca achar que o mundo lhe devia algo. Perfeccionista ao extremo, forte como um touro, metódico em tudo.

Acompanhei a evolução da diabete, os problemas cardíacos... Carreguei-o para o hospital em meio a um infarto, aparei-o em alguns desmaios e fiquei totalmente impressionado em ver dia após dia seu corpo enfraquecendo, a visão faltando, a força diminuindo e o homem simplesmente se adaptando às novas situações. Trocou de carro para poder levar os equipamentos de diálise nas viagens, mandou construir uma mesa portátil para acondicionar o equipamento nos hotéis e pousadas, arrumava algum amigo para ir dirigindo e pé na estrada. Sem suspiros, sem reclamações. Nunca.

Quando finalmente teve que se render à realidade de que não mais poderia viajar, trocou a confortável poltrona da sala por um banco de automóvel no qual mandou adaptar rodinhas. Assistia TV ali, como se estivesse na boléia do seu caminhão.

...

Nos últimos anos, um tom de carinho e amizade começou a aparecer em sua voz como nunca antes. E em um certo momento, passou a me chamar de... filho.

Hoje me bateu uma saudade especial do velho japonês com quem espero ter aprendido algumas coisas importantes sobre como enfrentar a vida e a morte, como encarar dificuldades sem auto piedade, como reconhecer erros sem apresentar justificativas, como se ocupar com o que se pode fazer e não com o que deveria ter sido feito.

E descanso na certeza de que seu Paulo, meu pai japonês, está incluído entre aqueles que através de Jesus foram reconciliados com Deus, que decidiu unilateralmente não imputar a nós as nossas culpas.

Logo nos veremos.

2 comentários:

  1. Aprendi a gostar e admirar o homem só de ouvir as histórias que vc contava dele. Muito legal ler isso. E a foto tb. De marear os olhos.

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  2. Anônimo12:53 AM

    A foto está fora do ar... seria legal postá-la novamente.

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