27 de janeiro de 2011

No rastro do profeta

Assim que li o relato do Brabo sobre seu segundo encontro com o Profeta de Rio dos Cedros, peguei meu velho fusca branco e fui atrás dos seus rastros. Pomerode é quase o quintal da minha casa, e a Torten Paradis é velha conhecida. Construída sobre o solo santo da casa da frau Emmel, a confeitaria é parada obrigatória de turistas, apesar de ter desfigurado a colina verde e o poço e a nogueira que enfeitavam o velho jardim da oma. A Schornstein estava fora dos meus planos e segui direto para Timbó pela Vidal Ferreira e dali segui até Rio dos Cedros. Cruzei arrozais e jardins, perguntei pelos jerivás e pelo Corsa com placa de Campina Grande, dirijido por um sujeito grande de óculos e cavanhaque.

Do Profeta mesmo, pouco sabem os moradores da região. Também não encontrei ninguém que o conhecesse pelo nome de João do Pó. Seguir a pista de um visitante recém passado era mais fácil.

As estradas de chão do alto de Rio dos Cedros não sentem a pressão de muitos pneus, o que tornou minha peregrinação em busca do profeta pelos rastros do Brabo mais fácil. Os 20 minutos de quem sabia o trajeto se transformaram em mais de 2 horas de vai-e-vem. Cada parada para perguntas era confeitada com um copo de água, um café quente, uma cuca de banana fresquinha, uma conversa sobre o tempo, alguma observação sobre as chuvas incríveis dos fins de tarde e a lembrança de alguma enchurrada na região. Já passava das 6 da tarde quando encontrei a porteira que precedia a curva sombreada por jerivás.

A casinha de madeira era muito parecida com a imagem que tinha feito lendo a descrição do Paulo, a não ser pela cor, que me pareceu estranha para o lugar.

Circundei devagar a casa, que permanecia com portas e janelas abertas, até a varanda dos fundos. Sentado no degrau da varanda, um homem, que só poderia ser João do Pó, descascava aipins com batidas firmes de facão e depositava os pedaços brancos da raiz limpa num balde de água. Puxei um toco de madeira para perto do balde, sentei de frente para o profeta e comecei a quebrar os aipins limpos em pedaços menores. Ele me olhou com carinho, acenou levemente a cabeça e continuou seu trabalho.

- A fé sem obras é morta - arrisquei. E ele permaneceu trabalhando em silêncio.

- O desafio dos heróis é destruir um objeto poderoso, não encontrá-lo - tentei de novo.

- Falei sobre isso recentemente com um amigo - disse o profeta enquanto batia com força o facão na casca marron da raiz.

- Eu sei. Foi o que me trouxe até aqui.

Ele parou seu trabalho, soltou o facão e me olhou firme.
- E então? O que posso fazer por você?

A pergunta me deixou sem fala. Percebi imediatamente que o questionamento do profeta era na verdade uma afirmação. Quando falei sobre fé, obras e o desafio dos heróis, deixei claro que já tinha a resposta. O que alguém, qualquer alguém, pode fazer por mim?

Desviei constrangido o olhar para o chão, lavei a mão no balde de água e caminhei de novo para o carro. Antes de passar para a frente da casa, ainda espiei discreto o homem que descascava aipim. Ele permanecia parado com os antebraços apoiados nos joelhos, as mão sujas caidas à frente e o olhar fixo em mim.

Entrei no carro, dei a partida e, enfim, respondi baixinho.
- Nada, meu caro profeta. Nada.

É evidentemente essencial ler também o
diálogo original entre João do Pó e Paulo Brabo,
na impagável Bacia das Almas.

7 comentários:

  1. Ficção sobre ficção? Realidade nua sobre realidade crua? Realissonho ou sonholidade? Estou em suspenso como o pó da estrada...

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  2. Em 1971 passei pela represa Rio dos Cedros em fuga, depois de um namoro com uma jovem de Blumenau, não aprovado pelo pai da donzela. O pneu do meu carro (um lindo Corcel vermelho) furou, na frente de uma casa e um homem saiu e se aproximou me oferecendo peixes. Depois de trocar o pneu sob a detalhada observação dele, comprei um peixe, sob a condição de poder fotografá-lo. Antes de sair, ele me disse: amigo, você foi a providência de Deus, hoje.

    Veja a foto em: http://www.lhmbrasil.com.br/blog/wp-admin/post.php?post=5904&action=edit&message=6

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  3. Isso tudo é mto louco.

    Esses relatos místicos habilmente adornados pelas belas descrições me fazem pirar. Ainda mais se tratando desse tema tão profundo cuja importância para a caminhada da fé no Cristo eu mal consigo delinear, compreender.

    Lendo o Brabo falar de filósofos mortos e suas elucubrações, Tolkien, com um culto profeta escondido num canto inacessível de não sei onde (sou paulistano), me pergunto se é necessário ter a bagagem literária filosófica desses meus irmãos para entender a mensagem.

    A pergunta seria se eu compreendi o real tamanho dela. Ou se resume mesmo ao tomar a cruz e seguir os passos do singelo revolucionário pobre da palestina.

    Meu Deus... Nos ajude a sermos quem devemos ser.

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  4. Lou, o link q vc mandou requer login.
    Abraço!

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  5. Nossa busca pelo profeta, Arthur, é muito evidentemente a busca pelo consolo criminoso de encontrar alguém que simplesmente coloque em prática o que vivemos dizendo. Que exista uma pessoa assim é suficientemente terrível; que essa pessoa não sejamos nós é um fogo consumidor.

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  6. Alexander, foi mal, o link correto é: http://www.lhmbrasil.com.br/blog/?page_id=5904 , me perdoe.

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