14 de abril de 2011

Tribunal de bar

Fui declarado culpado pelo júri do bar do crime inafiançável de posse e tráfico de fé. Concederam-me amplo direito à defesa, mas não pude fazer nada além de confessar-me culpado. Mãos erguidas, enchi o peito e bradei diante de bêbados, poetas, filósofos, estudantes, vagabundos, publicitários e professores: – Eu creio!

Seguiu-se silêncio angustiado quebrado por buburinhos que logo viraram fuzuê. Exigiram mais. Uma confissão não bastava. Queriam detalhes, um credo, uma profissão de fé. Católico, carismático ou tradicional, evangélico, pentecostal, histórico, reformado, reformulado, néo, desigrejado, enlouquecido, budista, espírita. Queriam nomes, queriam rótulos, algo em quê se agarrar, um motivo a mais de crítica, elogio, desdém ou deboche.

Tentei me esquivar, mas fui pressionado por todos os lados, entre gritos, risadas e dedos na cara, até o dono do bar bater firme uma garrafa vazia no balcão e sentenciar: – Ordem no bar! Silêncio no meu balcão! – E me encarou sisudo, olhos nos olhos, testa frisada: – Fala logo homem, antes que ponham o bar abaixo. QUe raio de fé é essa? Crê no quê?

Encurralado, pensei em citar o “credo apostólico” e sair logo dali. Mas desviei o olho pro chão quando percebi que o que quer que eu falasse soaria naquela situação como piegas e meloso, ou como uma martelada seca de araponga ressoando na imensidão da serra do mar. Lembrei do cego que em situação semelhante argumentou simplesmente: – Sei lá quem era o cara. Sei lá que fé é essa que me tomou de assalto. Só sei que não via nada, agora vejo! – Mas não tinha argumento assim tão forte que fosse meu. Lamentei profundamente continuar cego. Cego e mudo.

Mas consegui reunir força suficiente para levantar os olhos e responder ao dono do bar com uma estrofe de Aldir Blanc:

”[Creio] na existência dourada do sol
Mesmo que em plena boca
Nos bata o açoite continuo da noite”

4 comentários:

  1. Creio na esperança, esta frágil chama que teima em aquecer meu coração.

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  2. Anônimo6:57 PM

    Oi Tuco- saudações! esse relato me leva as experiências que tenho em tribunais de bar- tô evitando totalmente discussões em roda de birita e mari- huana acerca da minha fé...CANSEI DA MALUCADA onde tudo recorre// e na dialética da vida me voltei novamente a estar comungando com cristãos e voltando minha face a igreja...que muitas vezes pode ser outro tribunal... o linha tênua essa da graça, pois não??!!!!!

    Na igreja estou sentindo o bom cheiro de Cristo- tava me perdendo abraço Deus abençoe tua vida!!! Itala Cris

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  3. Qualquer lugar que cheire a Cristo vale a pena, Ítala. Felicidades pra vc.

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  4. Essa matou a pau, Tuco. Sem palavras.
    Sheila

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